19/05/2011

Gerentes "empurram" investimentos aos clientes em busca de metas

Quem nunca passou pela situação certamente já ouviu falar de alguém
que recebeu a ligação do banco em que tem conta oferecendo produtos de
investimento. Poupança, CDB, fundos de investimento, previdência
privada, ações. Não importa qual a modalidade, sempre há alguém
tentando vendê-la. O problema é que nem sempre o produto é indicado
para o perfil do cliente, o que coloca em dúvida se é possível confiar
neste tipo de serviço.

O advogado Paulo Henrique Tavares trabalhou durante seis anos em um
banco na posição de gerente. Largou o emprego em busca de qualidade de
vida: "Se for contabilizar, hoje, trabalho duas vezes mais, mas
trabalho mais feliz. A condição a qual o banco submete seus
trabalhadores é humilhante, é difícil trabalhar no ambiente
financeiro", afirmou.

A crítica que ele faz é referente às metas que são impostas aos
profissionais, arrojadas demais, mesmo quando o cenário não está
favorável. "Por isso, a pressão maior nesta área, o desgaste
emocional, as doenças psicossomáticas. Antes da criação dos setores de
Wealth Management, os bancos com certeza direcionavam seus
investimentos, lembrando inclusive que em muitos deles os papéis são
do próprio banco", contou.

Problemas éticos
Diante das metas arrojadas, surgem os problemas éticos dos gerentes
bancários: cumprir as metas e se manter empregado ou oferecer os
produtos de acordo com o perfil do cliente. "O gerente fica em uma
situação muito complicada, acaba se transformando em um 'vendedor de
luxo' da área financeira, mas tem de manter seu emprego, tem contas a
pagar".

O gerente Renê Almeida Sampaio, que ainda atua no setor, concorda: "O
problema é que a gente que trabalha em banco tem uma linha tênue de
ética". Ele explica que o banco tem de captar dinheiro com
determinados produtos para emprestar para terceiros, por isso, a
agressividade na hora de oferecer algumas modalidades, para poder
garantir a outra ponta do negócio.

No ano passado, ele conta que a instituição em que trabalha estava
atuando fortemente no segmento de previdência privada, modalidade que
considera muito positiva aos clientes, desde que mantenham o dinheiro
por um bom tempo, para ter benefício fiscal. "Mas tem de estar claro
que o benefício chega no longo prazo. Às vezes, o gerente não deixa
claro isso para o cliente", afirmou Sampaio.

Oferecimento de produtos
A oferta de investimentos aos clientes muda de acordo com as classes
de clientes. De acordo com Tavares, existem aqueles que são
"acostumados" a aplicar, para os quais há uma área de wealth
management disponível, com um portfólio muito bom de fundos e taxas
diferenciadas de CDB (Certificados de Depósitos Bancários), por
exemplo.

Sampaio explica que nunca trabalhou nesta área private de uma
instituição financeira, mas que, "pela importância do cliente e o
volume movimentado, ele tem uma assessoria mais assertiva. O erro é
menor, mas pode acontecer".

Já os aplicadores "esporádicos" - aqueles que ganharam uma grande
quantia de uma vez e resolveram aplicar, como com a venda de um imóvel
ou o recebimento de uma herança - lidam diretamente com o gerente de
banco, que, antes da exigência de uma certificação, às vezes davam
orientações sem conhecimento de causa.

"E temos os clientes menos "instruídos", que ficam com os gerentes,
que trabalham com a visão de bater a meta", afirmou o advogado.

Sampaio disse que sente que isso acontece não por culpa do banco. "A
diretoria não quer que o funcionário faça isso, quer que ele venda
para o cliente certo, mas no dia a dia, pela pressão, acaba
acontecendo. Trabalhei para duas instituições diferentes e sei que o
que atrapalha é o imediatismo. O banco tem de divulgar resultados
trimestrais, ele tem de ter uma estratégia rápida", contou.

Regulamentação
O Banco Central fiscaliza as instituições financeiras, que devem
fiscalizar seus funcionários. A Anbima (Associação Brasileira das
Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais) exige que os
profissionais que lidam com investimentos sejam certificados, para
poder dar orientação sobre o tema.

De acordo com Tavares, depois da exigência da certificação, o
direcionamento dos gerentes mudou muito, mas com certeza ainda
acontece de eles "empurrarem" produtos aos clientes. "Até uma
regulamentação da atividade não seria eficaz, e sim os bancos pararem
com essas metas tão agressivas e arrojadas, mas essa cultura não muda
porque é o lucro do banco que teria de mudar. Mudar isso seria falar
que teria de arrancar alguns milhões do bolso do banco", disse o
advogado.

A Anbima disse acreditar que "profissionais bem preparados estão mais
aptos a atender as necessidades dos clientes". Por isso, elaborou o
Programa de Certificação Continuada, que tem por finalidade promover o
aumento da capacitação dos profissionais do mercado de capitais que
têm contato, presencial ou a distância, com os investidores na
comercialização de produtos.

"Acredita-se que o esforço adicional de modernização do mercado de
capitais, através da maior disponibilidade de informações de melhor
qualidade sobre os produtos de investimento – em especial sobre os
principais fatores de risco – e a decorrente melhoria do atendimento
ao investidor resultam em estímulos complementares à concorrência
leal, à padronização de procedimentos e à adoção das melhores práticas
operacionais, que aproximarão o mercado de capitais nacional dos
mercados das economias mais avançadas", diz a associação em nota.

Segundo a Anbima, os programas de certificação de profissionais das
séries 10 e 20 (CPA-10 e CPA-20), desenvolvidos em 2002, já provaram
serem importantes para elevar o nível de conhecimento dos
profissionais. Desde o início do processo, 230 mil pessoas foram
certificadas.

Como se prevenir?
Sampaio diz que o cliente pode confiar na instituição em que tem
conta, se for um banco de primeira linha, já que o problema é do
profissional. "Ele tem de confiar no gerente dele. Vim de outro banco
e trouxe uma carteira de clientes comigo. Muitos vieram porque confiam
em mim, mesmo dizendo que as taxas eram maiores", contou.

Questionado se agora do outro lado, como cliente bancário, Tavares
contrataria uma modalidade de investimento baseado na dica do gerente,
ele disse que essa com certeza não seria sua única fonte de informação
para tomada de decisão. "O gerente não pode ser sempre o único a
determinar isso, você tem hoje todos os canais possíveis e imaginários
para fazer consulta".

Ele completou: "O investidor deve tomar todas as cautelas necessárias
no momento de investir seu dinheiro e seu patrimônio, deve ter duas -
se possível três - opiniões de diferentes especialistas. Claro que o
gerente é uma boa referência, mas não deve ser a única".

Fonte: InfoMoney
--------------------------------------------------------------------
Comentário: esse é um problema muito grave, que realmente acontece
muito, já vi muitos casos assim, com gerentes fazendo indicações
completamente indequadas ao perfil do cliente, só para poder bater
suas metas. Mas, felizmente, nem todos são assim, existem os bons
gerentes, que são sérios, éticos e confiáveis, eu felizmente achei,
mas não foi fácil, é preciso procurar, procurar, procurar.

Nenhum comentário: