28/07/2011

Por que os vizinhos desconfiam do Brasil?

Por que os vizinhos desconfiam do Brasil?

Autor(es): Humberto Saccomandi

Valor Econômico - 28/07/2011

 

 

Na Copa América, o Brasil é derrotado nas quartas de final. Mas, no jogo da política e da economia, ninguém desafia o poderio brasileiro na região. Esse protagonismo desperta sentimentos contraditórios. Somos vistos pelos vizinhos, ao mesmo tempo, como tábua de salvação e imperialistas, com admiração e com temor, por vezes em proximidade excessiva ou então num distanciamento negligente. Ser parte da solução e do problema está na natureza da relação mais próxima que o Brasil vem tendo com a América do Sul. Com frequência, porém, nos vemos só sob a ótica positiva, o que pode gerar incompreensão e atritos com "los hermanos".

Até o início desta década ainda havia contestação ao papel hegemônico do Brasil na região. Segundo um ex-porta-voz da Presidência mexicana, vários líderes regionais pediram ao México mais envolvimento na América do Sul, para compensar o peso do Brasil. Mas o México está cada vez mais imerso na sua guerra ao narcotráfico para exercer esse papel. Assim, como disse o ex-presidente argentino Eduardo Duhalde, o Brasil é "inevitável e indispensável".

O que faz então os nossos vizinhos temerem e duvidarem do que percebemos como sendo nossas boas intenções? No início de julho, uma mesa redonda realizada pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) discutiu o tema, reunindo analistas e políticos de países da região. Abaixo estão alguns dos fatores mencionados.

Somos vistos como imperialistas e nem nos damos conta disso

O maior temor parece estar ligado ao que nós, brasileiros, vemos como a maior vantagem do Brasil: o seu tamanho. O PIB brasileiro é quase igual à soma do PIB de todos os demais países da região. Cerca de metade dos habitantes da América do Sul são brasileiros. O país ocupa pouco menos de metade do território sul-americano. A população inteira do Uruguai, um dos sócios no Mercosul, cabe na zona leste da cidade de São Paulo.

"O Brasil às vezes é visto como os EUA, um país grande, monstro, que tem dificuldade para se dar conta do seu peso, mas que, quando se move, faz barulho, a pata é forte", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Essas assimetrias alimentam justificadas preocupações na região. Decisões com efeito desprezível sobre a economia brasileira - às vezes até questões estaduais, como no caso de o Rio Grande do Sul dificultar a entrada de arroz uruguaio - podem ter um impacto grande na economia de nossos vizinhos.

"A assimetria não é igual para todos os países. No Brasil estão 20% do investimento estrangeiro feito pelo Chile. Mas, para o Brasil, isso não significa muito. Já o investimento do Brasil no Chile é apenas 0,5% do investimento brasileiro no exterior", observa Edgardo Riveros Marín, vice-ministro da Secretaria Geral de Governo do Chile.

Assim, o fato de o Brasil relutar em aprovar acordos de proteção de investimentos é visto como uma desvantagem para os vizinhos menores.

Outro fator de desconfiança é a atuação, cada vez maior e por vezes agressiva, de empresas brasileiras, especialmente das empreiteiras. "O matrimônio entre o Estado e empresas privadas, e o BNDES tem papel fundamental nisso, é perigoso e cria imagem de expansionista", afirmou o ex-presidente da Bolívia Carlos Mesa.

Esse matrimônio tem permitido o financiamento de obras importantes na região e ajudado empresas brasileiras a obter contratos nos países vizinhos. Essas obras em geral significam mais exportações de bens e serviços brasileiros. Mas a junção do poder de fogo do Estado brasileiro com o de grandes empresas nacionais gera uma percepção de abuso de poder econômico. E pode gerar reação nacionalista.

"Há muita desconfiança em relação à presença do Brasil, que é visto como imperialista", relatou um alto executivo de uma grande empresa brasileira, presente ao seminário. "Vencida a barreira nacionalista, vem a acusação de ser capitalista."

Imperialista, termo mais associado aos EUA, vai colando assim na imagem do Brasil. "A Bolívia vê o Brasil como um país expansionista e imperialista. Isso está no inconsciente dos bolivianos", afirmou Mesa.

É curioso que, enquanto os outros temem o imperialismo brasileiro, "nós nem nos damos conta de sermos imperialistas", como observou FHC.

Se até os anos 70 havia em vários vizinhos o temor de expansionismo territorial do Brasil, nos últimos anos cresceu a preocupação com o avanço externo da nossa fronteira agrícola em países como Bolívia, Paraguai e Uruguai. "Há uma reação no Uruguai à compra de terras por brasileiros, ainda sem consequência legal. Estão em tramitação propostas de proibir compra de terra na fronteira e de limitar a concentração de terras. Isso é percebido como uma invasão", disse Constanza Moreira, senadora uruguaia pela esquerdista Frente Ampla.

Ela cita ainda outra acusação comum, a de que "o Brasil não está disposto a pagar pelo seu papel de líder regional". A falta de avanços no Mercosul reforça essa percepção. "A ideia do Mercosul como modelo de desenvolvimento perdeu apoio na elite uruguaia e hoje só tem apoio na Frente Ampla [partido do presidente José Mujica]."

O chileno Riveros Marín diz que o Brasil deveria ser, para a região, o que a Alemanha é para a Europa. Na União Europeia, o governo alemão é o maior contribuinte para os fundos de convergência, que apoiam projetos de desenvolvimento nos países menos avançados do bloco. O Mercosul tem um fundo similar, o Focem. Mas "a ideia de que o Brasil é generoso com a região é demolida pelos aportes do Brasil ao Focem", diz FHC.

Para Ignácio Walker Prieto, presidente do Partido Democrata Cristão chileno, a questão central é "como a liderança global e regional do Brasil pode nos servir a todos [na região]?" Esse é outro foco de desconfiança. Teme-se que, à medida que o Brasil ganha espaço nos fóruns globais, o faça em detrimento de sua atuação regional ou priorizando só seus interesses, e não os da região.

FHC corrobora esse temor. "Quem manda no Brasil é o grande capital, e isso significa que não vamos nos limitar à região, pois o capital tem interesse global", afirmou.

Walker Prieto sugere que o país priorize criar instituições e regras em nível regional e global; dar representação à região em negociações globais; e ampliar projetos de integração regional, principalmente em energia e infraestrutura. "Que o Brasil assuma sua liderança, mas sem complexos e sem arrogância."

Humberto Saccomandi é editor de Internacional.

 

 

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