28/10/2011

Acordo firmado em clima de 'tudo ou nada'

 

Autor(es): Por Assis Moreira | De Bruxelas

Valor Econômico - 28/10/2011

 

"Fizemos uma oferta aos bancos e dissemos que só era aquela. Eles refletiram e aceitaram". Foi assim que a chanceler alemã Angela Merkel, visivelmente satisfeita, relatou como os bancos credores foram levados a aceitar "abandonar voluntariamente" € 100 bilhões, ou 50% da dívida da Grécia.

"Dissemos aos bancos que a solução era aceitar a anulação de 50% da dívida da Grécia ou o calote e aí a perda deles seria de 100%", afirmou por sua vez o presidente francês Nicolas Sarkozy. "Não chamamos os bancos para negociar e sim para informar sobre nossa posição."

Já passava das 4 horas da manhã em Bruxelas quando Merkel e Sarkozy deram entrevistas separadas, ao final de mais dez horas de negociações para completar as linhas gerais do pacote para conter o contágio da crise da eurozona. E, apesar das medidas serem mais modestas do que tinha sido prometido ao longo das semanas, o alívio era generalizado.

Desde as 18 horas, quando os chefes de Estado e de governo europeus chegaram ao Conselho Europeu, o sentimento generalizado tinha sido dominado pelo pessimismo. Um novo fracasso parecia anunciado, diante de divergências por todo lado.

Dez dos 27 países da UE, que não fazem parte da zona do euro, foram liberados da reunião por volta das 20h30. A Polônia, na presidência rotativa da UE, ainda tentou ficar para o jantar com os membros da zona euro, mas foi rechaçada.

Restou a seu primeiro-ministro, Donald Tusk, contar a cerca de 500 jornalistas que seu país deseja entrar o mais rápido possível no clube dos países que utilizam a moeda comum.

Enquanto isso, o chefe do governo italiano Silvio Berlusconi dava seu show. Primeiro, foi flagrado pela televisão italiana admirando indiscretamente a primeira-ministra da Dinamarca. Depois, mandou propagar o rumor de que Angela Merkel tinha pedido desculpas a ele pelas cobranças feitas publicamente para a Itália controlar suas despesas. No Twitter, o porta-voz de Merkel desmentiu, dizendo que não havia razões para se desculpar.

À medida que a noite passava, os rumores se espalhavam e que o representante dos bancos, o americano Charles Dallara, recusava abatimento da dívida grega acima de 40%. Por volta da meia-noite, sua assessoria divulgou em Washington que não havia acordo sobre nenhum ponto.

Os torpedos "pipocavam" entre jornalistas e assessores nas salas fechadas. Depois da 1 hora da manhã, veio a notícia de que Merkel e Sarkozy resolveram assumir a negociação com os bancos e convocaram o representante dos bancos no gabinete do presidente da União Europeia, Herman Van Rompuy.

Merkel e Sarkozy contam o que arrancaram dos bancos. Mas Dallara conseguiu, em contrapartida, que a zona do euro mobilize € 30 bilhões para garantir o pagamento de outra parte da divida grega. Merkel explicou que €15 bilhões virão do dinheiro da privatização na Grécia.

Já sobre o aumento dos recursos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeiro (EFSF), Sarkozy usou a cifra em dólar, que é muito maior do que em euro, para surpresa dos jornalistas. "O aumento é de US$ 1,400 trilhão. Sim, de dólares. Eu falo em dólar porque é o dólar que é muito usado." Em euro, o montante é de € 1 trilhão, bem menos atraente para Sarkozy.

Se apareceu como vencedor sobre os bancos, o presidente francês visivelmente não tinha ainda engolido a rejeição de sua proposta para transformar o EFSF em banco e assim ter acesso a recursos ilimitados do BCE para socorrer os países em dificuldades. A Alemanha vetou, de forma que ninguém sabe como o fundo vai alcançar a cifra de € 1 trilhão. E sobretudo, a capacidade de endividamento do EFSF é garantido pelos Estados. Mas o EFSF pegará emprestado no mercado, mais os Estados vão dar garantias quando estão em situação precária.

Despeitado, durante toda a coletiva Sarkozy não cessou de repetir a declaração do próximo presidente do BCE, Mario Draghi, de que o banco continuará a comprar títulos da Itália de forma excepcional.

Já Merkel saboreava sua vitória. Perguntada sobre o papel do BCE no pacote, ela folheou o acordo, murmurou baixo até levantar a cabeça e dizer que o banco não estava envolvido no aumento do poder de fogo do EFSF.

Às 5h30, quando os jornalistas saíam do Conselho Europeu, as barreiras de segurança montadas pelos belgas já tinham desaparecido. E Charles Dallara, o representante dos bancos, avisava antes de partir de Bruxelas que há muitos detalhes a resolver no plano de anulação de 50% da dívida grega, e portanto, boa margem para os bancos não perderem tanto como os líderes contam.

Entre várias centenas de jornalistas, a questão era quando voltar a Bruxelas para novo pacote europeu. A Grécia continua na linha de fogo do mercado, que mantém as projeções de "default" no futuro. Também será preciso mais medidas para evitar realmente o contágio da crise para Itália e Espanha.

 

 

 

 

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