28/10/2011

Solução na Europa complica consenso no DI

 

Autor(es): Fernando Travaglini

Valor Econômico - 28/10/2011

 

O mercado não viu grandes novidades na ata do Copom, divulgada ontem, que justificou o segundo corte de juros da era Alexandre Tombini à frente do Banco Central. As duas reduções de meio ponto percentual da Selic já promovidas devem ser seguidas por pelo menos mais 1 ponto de corte, de acordo com as apostas majoritárias no mercado de juros da BM&F, levando a taxa para 10,5% ao ano. Há uma chance de um terceiro corte, de 0,25 ponto percentual, em março, também precificada.

O texto do documento foi neutro, sem alterações na perspectiva da política monetária, e não confirmou algumas apostas feitas na quarta-feira de que o BC poderia sinalizar um ciclo mais longo de afrouxamento monetário. Ao contrário, o evento Europa, com uma solução apresentada na madrugada de ontem, trouxe euforia para os mercados globais, puxando para cima os juros por aqui. O contrato para julho do próximo ano subiu 0,06 ponto, para 10,53%, enquanto o de janeiro de 2013 avançou 0,05 ponto, para 10,38%.Também foram vistos alguns fundos montando posições em um ciclo mais limitado de corte de juros, mas desta vez no mercado de opções de juros. Nesse caso, o investidor paga um prêmio para apostar em um corte de meio ponto, já sabendo quanto vai ganhar, ou perder, sem ficar expostos a surpresas da curva futura.

Mas os movimentos estão longe de um consenso para a quantidade de cortes. O BC conseguiu trazer as expectativas para o seu cenário de "ajuste moderado" da taxa, mas começam a surgir algumas dúvidas na cabeça dos operadores. O mercado quer saber, por exemplo, o que significa a solução dos problemas da Europa para o cenário base do BC.

O BC tem se fiado em um novo modelo de previsão. Aliás, esta é a maior novidade da ata, a confirmação de que o cenário projetado com o modelo de equilíbrio geral estocástico de médio porte, conhecido como Samba, é central para o BC, deixando de ser "alternativo".

O modelo, segundo explica o BC, identifica "de modo mais abrangente os mecanismos de transmissão dos desenvolvimentos externos para a economia brasileira". Daí vem a convicção de que os cortes "moderados" dos juros - leia-se 0,5 ponto percentual - são suficientes para a convergência da inflação à meta em um cenário de incerteza internacional.

A premissa é uma deterioração mais persistente, mas menos aguda do que em 2008/2009 - com um impacto equivalente a um quarto do que foi sentido naqueles anos pela economia brasileira. As consequências serão moderação da atividade doméstica e "certa estabilidade" na taxa de câmbio e nos preços de commodities internacionais, além, é claro, de uma taxa de inflação "em torno da meta", em 2012.

A grande questão é que o BC não atualizou seu cenário desde o fim de agosto. Ninguém sabe se "a atual deterioração" do cenário internacional, frase repetida da ata anterior, já levava em conta uma não ruptura do sistema bancário europeu e um calote organizado da Grécia. "Espero ouvir isso do BC", diz um operador de mercado.

Outra dúvida, que provocou a especulação na quarta-feira, é se o nível de desaceleração da atividade brasileira está dentro do previsto pelo BC, ou se a autoridade foi surpreendida. Como o mercado entende que o BC trabalha para a convergência da meta, mas com um olho também no crescimento, uma retração mais forte da atividade poderia levar o BC a flexibilizar mais a Selic.

Inês Filipa, economista da corretora Icap Brasil, acredita em um corte de um ponto, com duas reduções de 0,25% no início de 2012. A partir daí, o BC faria uma pausa para avaliar a conjuntura. "O cenário alternativo, que agora é o cenário central dele, leva em consideração coisas que ainda são muito incertas, como a moderação da atividade e o preço das commodities", diz.

Segundo ela, existe uma chance de recuperação da economia brasileira mais forte a partir de março, além de dúvidas sobre as commodities, com possível pressões de oferta. Ela também não vê espaço para o ajuste fiscal prometido pelo governo, de 3,1% do PIB em 2012, considerado "parte importante do contexto no qual decisões futuras de política monetária" serão tomadas, segundo texto da ata. Ela acredita em superávit primário de 2,5% do PIB.

No câmbio, a forte queda de ontem, de 2,9%, para R$ 1,7090, teve relação direta com a desvalorização do dólar no mundo todo. Ao encostar em R$ 1,7, o mercado já começa a especular sobre quando o BC voltará ao mercado à vista. Há mais de um mês a autoridade não mostra as caras.

Alguns operadores acreditam que a autoridade pode oferecer liquidez para um fluxo que se aproxima, expectativa baseada na movimentação vista ontem no mercado de câmbio. Os bancos já acumulam um saldo de moeda no mercado à vista próximo a US$ 5 bilhões e novas entradas precisariam de uma ajuda do BC para absorver o excesso de divisa sem derrubar muito a cotação.

Resta saber se a autoridade atuará comprando no spot ou por meio da oferta de swap reverso. Ontem o BC fez consulta para rolar os swaps tradicionais (equivalente a venda de dólar no mercado futuro) oferecidos na época em que a moeda bateu R$ 1,96, em setembro. Mas a demanda deve ser na outra direção.

Os estrangeiros também voltaram, ainda de maneira tímida, a ampliar suas apostas contra o dólar no pregão da BM&F. A posição vendida já chegou a US$ 1,4 bilhão, sujeita ao IOF. Será que o retorno esperado por esses investidores compensa o imposto, ou eles acreditam que o governo irá zerar a alíquota assim que a medida provisória passar no Congresso?

Fernando Travaglini é repórter

 

 

 

 

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