03/10/2011

O duplo mergulho

 

 

Brasil S.A - Antônio Machado

Correio Braziliense - 01/10/2011

 

Citi prevê recessão na Europa a partir deste trimestre e Morgan Stanley fala em confusão ainda maior


Agora já não é só a voz solitária do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, a avisar que a Europa e talvez os EUA estivessem na bica de entrar em recessão, razão pela qual se decidiu encerrar o ciclo de alta da taxa básica de juros no fim de agosto, mesmo com a inflação acima do teto da meta (6,5%), e começar a cortá-la.

Tombini foi enxovalhado por economistas e consultores do mercado financeiro, ex-dirigentes do BC o acusaram de dócil, atribuindo o corte da Selic de 12,50% para 12% a uma ordem da presidente Dilma Rousseff. E, no entanto, tudo indica que ele estava certo. Entre os grandes bancos de Nova York, basicamente a clientela dos seus detratores, já não há duvidas de que a recessão vai começar neste trimestre na Europa, podendo espalhar-se como vírus pelo mundo.

O que foi dito a portas fechadas no encontro semestral do Fundo Monetário Internacional, na semana passada, em Washington, bancos como o Citi e o Morgan Stanley, primas-donas de Wall Street, não disfarçam nos comunicados a clientes e em declarações à imprensa: a recessão bate às portas. Ainda moderada, em princípio focada na Europa, e podendo alargar-se, dependendo do que ocorrer à Grécia, cuja moratória é prevista para dezembro em análise do Citibank.

Mesmo com a aprovação pelos governos da Europa do chamado EFSF, sigla em inglês do fundo de 440 bilhões de euros concebido para absorver os papéis repelidos pelo mercado das dívidas soberanas da Grécia, Portugal e Irlanda, os três em coma, além da Espanha e a Itália, com a solvência em suspeita, ficou tarde, segundo análise do Citi, para evitar o duplo mergulho na recessão desde 2008.

Com a economia na Europa, EUA e Japão — que fazem dois terços do Produto Interno Bruto (PIB) global — operando abaixo da tendência histórica, aperto fiscal adicional e condições financeiras muito mais rígidas tanto para as emissões de papéis de dívida soberana e privada como para a contratação de crédito, a atividade econômica perdeu o fôlego nestas regiões. E se agravou onde havia um quadro de dificuldades de solvência — o caso da periferia da Zona Euro.

"Se a Europa parece uma bagunça agora, poderá ser uma confusão ainda maior no próximo ano, e não estou certo de que os políticos europeus serão capazes de superar esse obstáculo", disse a uma TV da Austrália, na última terça-feira, o economista-chefe do Morgan Stanley em Londres, Gerard Minack, para quem a recessão na Zona do Euro é certa e nos EUA, altamente provável. O Japão nem saiu dela.

Apreensão além da média
Minack está apreensivo além da média: "Numa recessão, veremos o aumento das dívidas bancárias ruins, os deficits orçamentários vão crescer e poderemos chegar até ao estágio em que o PIB nominal começará a encolher". Os cenários do Citi, cujo economista-chefe é um dos poucos com prestígio na academia e no mercado financeiro, o inglês Willem Buiter, põem em números o quadro exposto por Minack.

A projeção do Citi recém revista é que a área do euro passe de um crescimento do PIB de 0,6% este ano para retração de 0,2% em 2012, com a recessão mostrando a cara a partir deste trimestre.

Default grego virá logo
Para a economia global, a análise do Citi prevê desaceleração do ritmo de crescimento do PIB de 3% este ano para 2,9% em 2012. Ela seria maior nas economias avançadas, com seu ritmo de crescimento vindo de 2,6% em 2010 para 1,4% este ano e 1,3% em 2012.

Já entre os emergentes — bloco que inclui China, Índia, Rússia e Brasil, enfim, os BRIC —, a paralisia prevista também impressiona: viria de 7,3% em 2010 para 6% em 2011 e 5,5% ano que vem. Atente-se que este é o melhor cenário, já que, na avaliação de Buiter, a moratória da Grécia (que o Citi prevê para logo depois que o EFSF seja aprovado pelos parlamentos europeus, no início de novembro) se dará num ambiente de coordenação com a União Européia, o FMI e o Banco Central Europeu (BCE). Ainda assim, o quadro é muito ruim.

Ruptura é o maior risco
O PIB global crescia à base de 5% ao ano na média de 2004-07, o período de maior prosperidade no mundo desde a 2ª Guerra, até que o piripaque do Lehman Brothers o derrubou para menos de 3% em 2008 e para a recessão de -0,5% em 2009 (e de -0,6% no Brasil).

Se o cenário otimista do Citi prevê a reestruturação seriada das dívidas de Grécia, Portugal e Irlanda, mais a retaguarda do EFSF e/ou BCE aos papéis de Espanha e Itália e a recapitalização dos bancos europeus mais expostos a tais pepinos, é de pensar o que haverá se alguma coisa fugir ao roteiro. Chama a atenção que tais cenários não avaliam o risco de ruptura. Mas ele está na mesa.

Empresas esperam o pior
Depois de uma breve recuperação, a persistência da estagnação na Europa e a fraqueza dos EUA significam que a produção global não será "nada melhor que anêmica — e o risco de outra queda brusca é real", conclui a consultoria McKinsey, com base em pesquisa feita por ela entre 12 e 16 de setembro junto a 1.321 empresas no mundo.

O resumo: apenas 18% dos executivos na Zona do Euro esperam que a economia melhore no curto prazo. No mundo, otimistas foram só 29%, contra 48% em junho. Outro dado impressionante: 75% esperam que a Europa do euro rache nos próximos dois anos. Na América Latina, as perspectivas são melhores, mas 26% dos ouvidos revelaram que suas empresas começaram a reter caixa para se prevenir contra o pior.

 

 

 

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