23/11/2011

Depois da farra, a onda agora são bancos comportados

Por Francesco Guerrera

"Firma financeira atraente e solvente, com uma queda por chocolates e títulos garantidos por hipotecas de imóveis comerciais busca relacionamento de longo prazo. O parceiro ideal deve ser estável, generoso e paciente."

Se o relacionamento entre o setor financeiro e o mercado continuar gélido, as firmas de Wall Street em busca de financiamento podem ter de apelar para sites de encontros.

Os motivos para o declínio recente nas ações de firmas financeiras - regras mais duras, fraco crescimento nos Estados Unidos e a confusão da dívida europeia - são bem conhecidos. Menos noticiada é a mudança sutil, mas mais saliente, na maneira como bancos e corretoras se financiam.

A crise financeira de 2008 - e consequente mudanças na regulamentação e reação do mercado - pode ter acabado para sempre com o modelo de "financiamento no mercado atacadista", o que tem consequências importantes para bancos, investidores e a economia.

Minha primeira lição como repórter iniciante do setor financeiro foi quando meu chefe mandou que sempre lembrasse de um fato básico: Há duas principais maneiras de firmas financeiras se financiarem: os depósitos dos poupadores e "financiamento atacadista", ou seja, tomar emprestado dos mercados de capital.

Os depósitos, disse ele, são difíceis de transformar em lucros polpudos porque os bancos geralmente emprestam a um juro só um pouco maior que o que pagam a depositantes.

No mundo sofisticado dos mercados de capital, são exatamente os empréstimos de curto prazo que permitem aos grupos financeiros obterem recursos a preços competitivos e que podem ser reinvestidos em atividades lucrativas, como operações no mercado.

Acrescente um pouco de dívida ao balanço e qualquer firmazinha de Wall Street pode se transformar numa máquina envenenada de lucros.

Essa estratégia funcionou durante vários anos.

Firmas de Wall Street como Goldman Sachs Group Inc. e Morgan Stanley se afastaram de seus negócios originais de oferecer consultoria a empresas interessadas em fazer aquisições e de agir como intermediárias para aplicações acionárias, para se tornarem potências com balanços gigantescos, dando suporte a transações vultosas no mercado e a investimentos em participações. Cresceram assim suas equipes e os bônus pagos a elas.

Firmas pequenas como Lehman Brothers Holdings Inc. e Bear Stearns Cos. mudaram totalmente de feição e geraram fortunas para executivos e investidores com seu uso sagaz do financiamento atacadista. E até mesmo bancos "universais" como o Citigroup Inc. incrementaram suas divisões de banco de investimento com empréstimos de investidores dispostos a aplicar nelas.

A conta chegou em 2008, quando o aperto de crédito causado pela crise das hipotecas de alto risco pôs fim aos financiamentos de curto prazo, o que arrasou o modelo de atacado.

Foi o equivalente "sofisticado" da velha corrida ao banco.

Depois do fim do Lehman e do Bear, o Goldman e o Morgan Stanley tiveram de se tornar bancos para poder receber verba do governo e o Citigroup teve de ser resgatado com bilhões em recursos do contribuinte.

A onda de regulamentação depois da crise aumentou a pressão e forçou exigências de reserva de capital altas para muitas das atividades que os bancos costumavam financiar no mercado de atacado.

A turbulência atual está alimentando essa tendência. Os bancos franceses, que tomaram um porre de empréstimos de curto prazo de fundos americanos do mercado monetário, estão lutando para reduzir a exposição em dólar já que esses investidores têm fugido da crise na União Europeia.

Firmas poderosas como Goldman, Morgan Stanley e Credit Suisse Group AG reduziram suas atividades para precisarem menos de financiamento atacadista. E uma iniciante altamente alavancada como a MF Global Holdings Inc. foi esmagada pela fuga generalizada dos investidores quando suas aplicações azedaram.

"Até onde é possível prever, firmas e investidores continuarão relutando fortemente em se expor demais ao financiamento a bancos", disse-me semana passada Sergio Ermotti, o novo diretor-presidente do UBS AG.

E ele sabe do que está falando: conversamos horas depois de ele anunciar planos para cortar pela metade o balanço de seu banco de investimento.

Mas Ermotti não está sozinho. Diante da escassez de financiamento atacadista a preços decentes, as firmas financeiras estão adotando uma estratégia de encolher o balanço para reduzir a dependência do mercado - e manter o caixa gordo para suavizar o impacto da crise.

Mas, como qualquer poupador que não gosta de ficar com seus recursos presos por muito tempo, firmas como Goldman, Morgan Stanley e UBS estão mantendo cerca de 20% a 25% do balanço - centenas de bilhões de dólares - em dinheiro e aplicações líquidas, como proteção contra a imprevisibilidade do mercado, embora lucrem pouco com isso.

Antes de 2008, investidores teriam chamado isso de desperdício dos recursos de acionistas. Mas no cenário atual é melhor prevenir do que remediar.

Só que a segurança tem seu preço. Os acionistas terão de aceitar que com menos alavancagem e negócios menos lucrativos, os retornos serão mais fracos que antigamente. E a economia como um todo terá de sobreviver com menos crédito, já que a redução no balanço dos bancos significará menos dinheiro disponível.

Depois de toda festança, sempre há uma ressaca dolorosa.

 

 

 

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