17/11/2011

Quem será o próximo?

 

Autor(es): Maria Clara R. M. do Prado

Valor Econômico - 17/11/2011

 

No fim de 1998, às vésperas do euro ser introduzido como moeda escritural - antes de entrar efetivamente em circulação, a partir de janeiro de 2002 - várias preocupações surgiram em meio às discussões sobre o novo arranjo monetário. A necessidade de convergência fiscal e de integração dos interesses políticos dos 12 entes que inauguraram a União Monetária Europeia eram os aspectos mais citados. No entanto, apesar de todo o ceticismo e das críticas durante o processo de criação da união monetária, o otimismo acabava por prevalecer. Afinal, o euro estava prestes a tornar-se uma realidade. Surgiu a expressão Década da Europa, na crença de que, no longo prazo, o euro transformaria uma colcha de retalhos onde predominavam mercados onerosos, ineficientes e autoprotegidos em um único, forte e competitivo bloco econômico.

Quase 12 anos depois, o mundo acompanha, perplexo, os acontecimentos que ameaçam o euro e que parecem não ter freio. Na esfera política, a falta de liderança da CEE, do BCE, de Angela Merkel e de Nicolas Sarkozy é acachapante. Já no grupo dos países alvo das consequências da má gestão econômica e, claro, da especulação, parece ter sido aberta a comporta das renúncias dos principais mandatários. As semanas ficaram mais curtas diante do atropelo dos acontecimentos. Mal entrou no lugar de Papandreou e Lucas Papademos já enfrenta a desconfiança dos conterrâneos gregos e a do mercado. Na Itália, Berlusconi não aguentou o rojão. Mario Monti faz cara de estátua, mas sua indicação não conseguiu ainda apaziguar os ânimos dos investidores que continuam a cobrar altas taxas de juros pelos papéis da república italiana.

Como convencer os europeus de diferentes culturas e origens a se submeterem à uma só liderança política?

Quem será o próximo governante a perder apoio político? As fichas voltaram-se com muita força esta semana para a Espanha. A sorte é que José Luis Zapatero está no fim de seu mandato e não precisará passar pelo vexame do pedido de renúncia. Sairá do cargo fora da corrida eleitoral em uma situação política mais honrada. Como tantos outros espanhóis, assiste às declarações sem pé nem cabeça dos candidatos à presidência, que apregoam o fim da crise com a simples troca do governo, como imagina Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP), ou o confronto com os especuladores, como defende Alfredo Rubalcaba, do PSOE, o partido socialista. A França está na mira do mercado e, mais recentemente, também a Áustria e a Bélgica começaram a ser alvo de desconfiança com relação à capacidade de honrar os compromissos da dívida soberana.

Desde que o projeto do euro foi colocado de pé, sabia-se que, além das muitas vantagens que a unificação monetária traria para a Europa, haveria também desvantagens quando se analisava a situação no caso a caso de cada país. Para começar, nenhum membro da União Monetária Europeia (UME) poderia mais fazer uso da taxa de juros para encorajar ou desencorajar o investimento e o consumo. Essa passou a ser uma função do BCE, com a preocupação de olhar o todo e não cada país individualmente.

Também deixou de ser prerrogativa individual a definição da política cambial. Os países integrantes do euro perderam a válvula de escape que o câmbio representa como meio de ajuste da economia.

Ambos os instrumentos - taxa de juros e câmbio - saíram das mãos do poder local e passaram para as mãos do BCE.

Sobrou, então, sob o comando dos governos individuais, o poder de manusear o orçamento e, com isso, tudo o mais que tem a ver com as contas do setor público. Ora, se não há juros e nem câmbio para administrar a economia, parece meio óbvio que os países passassem a recorrer à única opção restante, a política fiscal, como meio de injetar dinheiro na economia e estimular o crescimento.

Pesou mais os interesses políticos de partidos e governantes do que os requisitos traçados em comum acordo, conhecidos como critérios de convergência, que condicionavam a permanência de um membro do UME no grupo. O déficit anual do orçamento do governo no país (o montante de dinheiro devido) não poderia exceder 3% do PIB. A dívida ativa total do governo (o total acumulado do déficit anual do orçamento) não poderia exceder 60% do PIB. A taxa média nominal de juros no longo prazo deveria ser no máximo 2% maior que a taxa média dos três países com a taxa de inflação mais baixa, sendo que essas taxas de juros são medidas na base dos títulos de longo prazo do governo.

O ajuste fiscal ficou, a rigor, a critério de cada um, com os países à vontade para mover a economia pela via da dívida e do orçamento. Os números dos gastos públicos acumularam-se muito acima do recomendável e os endividamentos crescem ainda mais com a desconfiança dos mercados.

A quarta desvantagem a atrapalhar o UME é o que mais tem pesado nesta crise já longeva e cada vez mais profunda: a falta de uma voz única que represente todos os países do euro. Ora, aqui está o fulcro do problema. Como convencer os europeus de diferentes línguas, culturas e origens a se submeterem à uma só liderança política? Vê-se agora, na prática, que é como buscar a quadratura do círculo.

Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real". Escreve mensalmente, às quintas-feiras.

 

 

 

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