29/11/2011

Impasse limita oferta pública de letra financeira

Por Vinícius Pinheiro | De São Paulo

 

Cetip vê dúvida jurídica na compra de papel de um banco por outro, diz Ratto

Um impasse na interpretação das normas sobre as letras financeiras - títulos de dívida emitidos por bancos, semelhantes às debêntures das empresas - tem limitado a captação de recursos por esse instrumento, sobretudo em ofertas públicas. A principal dúvida do recai sobre a possibilidade de uma instituição financeira adquirir uma letra emitida por outra em uma emissão primária.

A Cetip não tem permitido o registro desse tipo de operação. A principal dúvida da companhia e de parte do mercado é se a operação pode ser vista como concessão de funding entre bancos, o que é proibido pela legislação que trata do sistema financeiro nacional. Questionado pelo Valor, o Banco Central informou que, do ponto de vista jurídico, não há vedação para que bancos detenham letras financeiras de outros.

Do total de R$ 132 bilhões de letras financeiras, apenas R$ 550 milhões, ou 0,4%, foram captados em operações públicas. Executivos ouvidos pelo Valor dizem que uma das explicações para o baixo volume de ofertas públicas está no fato de que os bancos de investimento que coordenam as ofertas não poderem conceder a chamada garantia firme na emissão, em razão da restrição do registro pela Cetip.

A garantia firme é o mecanismo por meio do qual os bancos de investimento que coordenam uma oferta pública se comprometem a adquirir os papéis caso não encontrem investidores no mercado. Praticamente todas as emissões de títulos de renda fixa no mercado de capitais nacional são realizadas com o uso da garantia firme.

"Os bancos têm interesse de emitir letras, mas não querem se expor a um eventual fracasso na captação, ainda mais no atual momento de mercado", afirma o executivo de uma instituição financeira. A confusão sobre a regra é tanta que um banco de investimento só descobriu que não poderia dar garantia firme após ter conquistado o mandato para realizar uma operação.

Até o momento, apenas a RCI - financeira das montadoras Renault-Nissan - e o Banco Daycoval fizeram captações públicas de letra. Embora tenham obtido sucesso, as operações - realizadas na modalidade de melhores esforços, nas quais os coordenadores não garantem a venda integral dos papéis - ainda não são consideradas um parâmetro para que outras instituições venham a mercado.

Além dos bancos de médio porte, que buscam fontes alternativas de recursos em meio ao agravamento da crise financeira internacional, os bancos de montadoras são vistos como potenciais emissores de letras financeiras, já que o custo de captação das matrizes também aumentou. Desde o fim do ano passado a captação via letras financeiras conta com uma vantagem adicional: a isenção do recolhimento do depósito compulsório.

O diretor comercial da Cetip, Carlos Ratto, confirmou a restrição ao registro de letras financeiras adquiridas por bancos em emissões primárias. Embora a regulamentação do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre a letra não proíba a compra do papel de um banco por outro, a lei nº 4595 do sistema financeiro nacional, datada de 1964, limita a concessão de funding entre instituições apenas ao depósito interbancário (DI).

"Existem dúvidas se o exercício da garantia firme em uma oferta primária de letras financeiras não seria uma forma de concessão de funding entre bancos", argumenta. Enquanto não houver uma posição oficial do BC, a Cetip deve continuar vetando o registro.

A expectativa é de que os bancos façam uma consulta formal ao BC via Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Procurada, a entidade informou que ainda não tem posição sobre o assunto, mas estuda o tema para inseri-lo na pauta de discussões de seus comitês.

A limitação para a compra de letras acaba prejudicando o cumprimento de outra exigência na legislação: a existência de um formador de mercado. Como não podem adquirir os papéis na oferta, os bancos alegam dificuldades para cumprir essa função. Vale lembrar que a restrição ocorre apenas no mercado primário. Ou seja, se uma instituição adquirir um papel que tenha sido vendido, por exemplo, para um fundo, não haveria problema.

A emissão de letras esbarra ainda em outro problema legal: a proibição de cláusulas de resgate antecipado dos papéis. Embora a intenção tenha sido reforçar o caráter de longo prazo do instrumento, a regra dificulta a criação de compromissos (covenants) nas operações. "A possibilidade de vencimento antecipado é uma forma de proteção dos investidores caso a situação de crédito do emissor se deteriore", afirma a advogada Marina Anselmo, do escritório Mattos Filho.

Na oferta pública de letras do Daycoval, foram estabelecidas cláusulas de vencimento antecipado. O prospecto da operação ressalva, contudo, que a eficácia do mecanismo está sujeita à aplicação do Código Civil.

 

 

 

 

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