17/11/2011

Derretendo

Celso Ming

A deterioração do mercado europeu de títulos de dívida aumenta todos os dias. Tende a transformar em lixo tóxico não só os papéis de dívida soberana da Grécia, de Portugal e da Irlanda, mas também os da Itália, da Espanha e, possivelmente, da França (veja o gráfico).

O aplicador apenas se arrisca a amarrar seu dinheiro a esses ativos em troca de juros cada vez mais altos. E os devedores não conseguem se limitar a rolar dívidas em vencimento; têm também de encontrar financiamento para novos rombos, uma vez que operam com déficits orçamentários altos demais. A dívida vai ficando mais e mais cara. E insustentável.

 

Em outras palavras, o contágio está se espraiando inclusive para países grandes demais para serem socorridos. Alguns dirigentes políticos despejam seus desabafos. Tentam convencer o resto do mundo de que estão sendo vítimas de sórdida especulação. O ex-primeiro-ministro da Itália Silvio Berlusconi e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, mostraram reações desse tipo.

Não apenas banqueiros e gente de classe média vêm rejeitando o que, até recentemente, era considerado ativo sem risco. Também bancos centrais, seguradoras e fundos de pensão ou de investimento vêm agindo assim.

Por mais que tenha sido proclamado como inevitável, o calote da Grécia trincou o cristal e foi entendido como grave precedente. O recado passado foi o de que essas coisas podem acontecer a qualquer um, às melhores famílias. E pior: a probabilidade de que realmente ocorram cresce também todos os dias.

Outro fator que precipitou a rejeição foi o encaminhamento mal amarrado que as lideranças da área do euro deram para o novo mecanismo de resgate, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. A decisão foi submetê-lo a uma engenharia financeira complexa, cujo resultado seria a multiplicação do seu poder de fogo. Deveria funcionar como uma espécie de garantia parcial a transferências de recursos que ninguém sabe de onde sairiam. Tanto assim que, até agora, os técnicos não foram capazes de montar o novo sistema. Itália, Espanha e, ao que tudo indica, também a França precisarão de enormes transfusões de sangue novo, no entanto, já não se sabe como isso poderá ser feito.

Na terça-feira, artigo do New York Times perguntou por que o Banco Central Europeu (BCE) pode prestar assistência ilimitada aos bancos, mas não aos Estados nacionais. Questionamento com o mesmo conteúdo poderia ser feito de outra maneira: por que os bancos grandes não podem afundar – e, por isso, têm de receber ajuda –, mas os Estados nacionais podem quebrar?

A dinâmica dos fatos vai empurrando o BCE para o inevitável, ou seja, para, enfim, em nome da salvação do euro, exercer sua função derradeira, até agora, inominável: emprestador de última instância. Falta saber quanto mais o mercado de bônus terá de ruir e quanta turbulência mais terá de acontecer para que as autoridades se decidam.

CONFIRA

Como errou? Até agora não foi bem explicado o suposto erro da agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) que, no dia 9, por alguns minutos, manteve no seu site o anúncio do rebaixamento dos títulos da França.

Errou por quê? A S&P avisou que foi um erro de edição. Ficou a impressão de que a decisão já havia sido tomada e estava à espera sabe-se lá de que sinal verde. E que algum desavisado apertou o botão errado na hora errada.

Bomba atômica. Como um rebaixamento dos títulos franceses seria o estouro de uma bomba atômica no mercado de títulos, é compreensível a exasperação do governo da França. O presidente Nicolas Sarkozy há meses vem advertindo que seria um desastre se seu país chegasse a esse ponto.

Decolando. Só que, de lá para cá, o rendimento (yield) dos títulos da França está alçando voo no mercado secundário, como mostra o gráfico acima.

 

 

 

 

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