23/11/2011

Efeito leasing

Por Natalia Viri e Marina Falcão | De São Paulo

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De acordo com Edison Arisa, do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), empresas da indústria extrativa e do setor de varejo devem ser as mais afetadas pelas medidas avaliadas pelo Iasb

Um total de R$ 78 bilhões entraria no passivo da Petrobras caso as mudanças nas regras de contabilização de leasing, em estudo pelo Conselho Internacional de Padrões Contábeis (Iasb, na sigla em inglês), passassem a vigorar hoje.

O valor diz respeito aos contratos de leasing operacional dos equipamentos utilizados pela gigante do setor de petróleo no terceiro trimestre e representa 13,4% dos R$ 582 bilhões em passivos que a companhia acumulava ao fim do período e 24,6% de seu patrimônio líquido (R$ 331 bilhões).

Em meio a inúmeras controvérsias, a alteração das normas do padrão contábil internacional (IFRS) não deve vigorar antes de 2015 e o texto final ainda deve mudar para contemplar as sugestões feitas durante o período de audiência pública, encerrado em dezembro do ano passado.

Mas a simulação utilizando os números da Petrobras dá a medida do impacto que a mudança pode ter sobre o retrato financeiro das companhias em todo o mundo.

Pela norma atual, o arrendamento mercantil (leasing) é dividido em duas categorias: o financeira e o operacional.

A modalidade financeira implica o aluguel de um bem com uma opção de compra ao fim do contrato. Grosso modo, é o leasing comumente utilizado para a aquisição de automóveis: com as parcelas quitadas, o veículo passa a ser de propriedade do arrendatário.

No Brasil, esse tipo de operação passou a entrar no balanço das empresas como dívida a partir da adoção do padrão contábil internacional, no ano passado. As amortizações são contabilizadas como despesas financeiras, com registro do bem no balanço patrimonial da companhia nos ativos e nos passivos.

Outra categoria, conhecida como leasing operacional, engloba as operações de arrendamento que não contemplam a opção de compra ao fim do período. Na prática, trata-se de uma operação de aluguel no sentido mais estrito do termo: paga-se parcelas periódicas pelo direito de uso de determinado bem.

Até que a nova norma sobre o leasing seja aprovada, o arrendamento operacional permanece nas demonstrações financeiras apenas como despesa administrativa e não é contabilizado no balanço patrimonial.

A proposta do Iasb é eliminar a diferenciação entre as duas modalidades de leasing. A lógica por trás da alteração é que o aluguel de bens engloba um "direito de uso", que deve ser contabilizado no ativo, com o consequente registro da obrigação de pagamento nos passivos, de acordo com Edison Arisa, coordenador técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e sócio de auditoria da PricewaterhouseCoopers (PwC).

A orientação segue a diretriz de primazia "da essência sobre a forma", conceito que rege o padrão internacional de contabilidade.

Nem todas as empresas discriminam o valor de seus contratos de arrendamento operacional nas notas explicativas que acompanham o balanço, como a Petrobras. Mas, segundo Arisa, é possível prever que a indústria extrativa deve ser uma das mais afetadas no país, uma vez que os gastos com a compra de equipamentos nesse setor poderia ser muito oneroso para as companhias. "É comum que as empresas que exploram recursos naturais aluguem equipamentos pesados por meio de contratos de leasing operacional."

Conforme Joanília Neide Sales, professora da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), além do nível de endividamento, outros índices que são comumente utilizados pelos analistas deverão sofrer o impacto das mudanças. "Todos aqueles que usam como referência o ativo também mudam, como o de retorno sobre o investimento, por exemplo", afirma Joanília.

Segundo ela, as consequências da nova contabilização devem atingir o retrato patrimonial das concorrentes da Petrobras no mundo - como Shell e Esso - em diferentes proporções. Tudo depende de quanto somarão, em cada uma dessas companhias, os contratos "enquadráveis" na nova regra.

Tanto Arisa quanto Joanília concordam que os balanços das empresas dos setores de varejo e financeiro também serão fortemente afetados. Isso porque as grandes instituições financeiras têm a maior parte das suas agências alugadas, enquanto as varejistas têm despesas elevadas com arrendamento de terrenos e pontos de venda. "E os contratos das varejistas são longos, já que a localização é crucial no segmento em que elas atuam e é preciso garantir o ponto", destaca Joanília.

Além do inchaço no balanço patrimonial, a nova regra implica também uma mudança na composição do resultado das companhias, apesar da manutenção do desempenho refletido na última linha do balanço.

Com o reconhecimento das operações de arrendamento operacional como dívida, a despesa com amortizações passa a ser contabilizada na conta financeira e não mais como gasto administrativo.

Com isso, cresce o lucro operacional das empresas - isto é, aquele antes dos dispêndios com pagamento de juros -, com proporcional efeito na rubrica financeira.

Procurada pelo Valor, a Petrobras informou apenas que está "desenvolvendo análises sobre o assunto" e que, portanto, "não tem condições, no momento, de avaliar os possíveis impactos que possam ser gerados caso sejam efetuadas alterações nas normas contábeis".

 

 

 

 

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