05/10/2011

Aprofundamento da crise pode diminuir demanda por produtos brasileiros

Para economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, recrudescimento das turbulências pode afetar reajustes salariais e reduzir ritmo de evolução da renda

Ilton Caldeira, iG São Paulo

Uma deterioração maior do cenário internacional de crise, caso ocorra nos próximos meses, pode afetar o ritmo da atividade doméstica e o mercado de trabalho com uma menor oferta de vagas e reajustes salariais mais modestos em 2012, segundo a avaliação do economista-chefe do Itaú-Unibanco Ilan Goldfajn.

De acordo Goldfajn, o impacto negativo sobre a economia interna poderá ser gerado por uma menor demanda dos Estados Unidos e da Europa pelos produtos manufaturados brasileiros, por exemplo. Os setores da economia mais sensíveis à oferta de crédito também poderão sentir algum impacto da crise, devido à elevação dos custos para empréstimos no exterior e uma expansão mais modesta na renda dos trabalhadores.

Em entrevista ao iG, o ex-diretor de Política Econômica do Banco Central afirmou que a atual etapa da crise é caracterizada por um problema de solvência dos países na Europa. E isso deve levar alguns anos para ser resolvido, com a redução das dívidas das nações da zona do euro. “Em regimes democráticos, é difícil encontrar consenso para tomar medidas amargas para pagar as dívidas”, disse.

Para Goldfajn, o Brasil pode ajudar os países em dificuldade ao manter a responsabilidade na gestão da economia e o rigor fiscal, contribuindo para que o País trabalhe com uma taxa de juros menor.

Segundo o economista, nos próximos anos os Brics, grupo de países emergentes, incluindo Brasil, devem ampliar sua relevância para a economia global, com taxas de crescimento acima das economias centrais, que estão no epicentro da crise desde 2008. “Nesse cenário, a importância da China tende a se elevar cada vez mais”, afirmou.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

iG: De que forma essa segunda fase da crise iniciada em 2008 pode afetar o ritmo da atividade econômica no Brasil no curto e médio prazos?

Ilan Goldfajn: O principal canal de impacto da crise externa sobre a economia doméstica passa pelo recuo dos termos de troca com o exterior na medida em que a menor perspectiva de crescimento global tende a reduzir o preço internacional das commodities. Há, portanto, um impacto negativo no saldo comercial e uma maior pressão para a economia brasileira operar com déficits maiores em transações correntes que, em outras palavras, significa uma maior necessidade de absorção de poupança externa, isso justamente num momento em que a aversão a risco do mercado global de capitais está elevada.

O impacto negativo sobre a atividade doméstica deverá vir através de uma menor demanda dos Estados Unidos e da Europa pelos produtos manufaturados. A crise deverá continuar mantendo os preços dos produtos manufaturados sem grande espaço de recuperação no mercado internacional, dada a ociosidade na utilização da capacidade instalada das economias que são o epicentro da crise. Também devem sofrer os setores da economia mais sensíveis à oferta de crédito devido à elevação dos custos das captações externas.

iG: Quais podem ser os efeitos práticos na vida das pessoas comuns?

Goldfajn: É provável que a crise se manifeste numa menor possibilidade de vendas para os pequenos empreendedores, menores aumentos de salários no ano que vem, e menos facilidade de encontrar trabalho do que hoje.

iG: Essa crise se assemelha com as turbulências vividas pelos países da América Latina, incluindo o Brasil, na década de 80?

Goldfajn: Sim, existe uma semelhança. Em ambos os casos trata-se de uma crise de solvência do Estado, que está sobreendividado. Leva muitos anos para economias se desalavancarem (reduzirem suas dívidas). Especialmente, em regimes democráticos onde é difícil encontrar consenso para tomar medidas amargas para pagar as dívidas.

iG: As medidas para atacar os problemas, principalmente na Europa, podem ser parecidas com as que foram adotados em alguns países na região, como a desvalorização cambial?

Goldfajn: A necessidade de medidas de ajuste fiscal, em princípio, guardariam semelhança com o receituário da crise dos anos 80 na América Latina. Porém, a semelhança para por aí. No caso dos países da zona do euro que estão em pauta, o ajuste da taxa cambial é impossível, pela própria definição da zona euro. Isso torna tudo mais difícil e exige um esforço fiscal maior.

iG: De que forma o Brasil pode ajudar as economias em dificuldade na Europa como Portugal, Grécia, Itália e até mesmo os Estados Unidos?

Goldfajn: Mantendo-se responsável, com uma economia saudável. Se puder reagir com rigor fiscal para permitir juros menores, melhor.

iG: O Brasil está credenciado para exercer esse papel e participar de um processo de socorro aos países endividados?

Goldfajn: O Brasil tem parâmetros onde pode usar de forma responsável suas reservas. Mas ao contrário da China, não há sobra de poupança no Brasil.

iG: Essa nova fase da crise pode fortalecer o poder de todos os países emergentes que formam o bloco conhecido como Brics ou a China deve se fortalecer ainda mais globalmente do ponto de vista econômico?

Goldfajn: É natural que os Brics devam se tornar relativamente mais relevantes para a economia global, dado que devem manter taxas de crescimento acima das economias centrais, que foram o epicentro da crise de 2008 e de seus desdobramentos. Sem dúvida a China é um destaque que merece uma análise à parte deste grupo. A importância da China tende a se elevar cada vez mais, culminando provavelmente com o momento em que a moeda chinesa se tornará conversível e passível de integrar a cesta de moedas das reservas internacionais dos bancos centrais do mundo. Ou seja, a China é a candidata a ser a emissora de reserva de valor complementar ao dólar e ao euro. Este estágio não tem data marcada, mas a direção é esta.

iG: A recente depreciação do real e a valorização do dólar podem atrapalhar o cenário projetado pelo Banco Central para o comportamento dos índices de inflação?

Goldfajn: É possível que não. Primeiro porque a desvalorização do real é muito recente para produzir algum impacto nos preços e acreditamos que o real deverá voltar a se valorizar rumo ao patamar de R$ 1,73 por dólar no fim do ano. Em segundo lugar, a desvalorização do real também é acompanhada simultaneamente pela queda dos preços internacionais de commodities o que reduz o impacto. Por fim, o nível de atividade tende a ficar mais moderado em consequência da crise, o que contribui para manter a inflação sob controle. Agora, sem dúvida, há o risco do desaquecimento da atividade doméstica ser menor do que o Banco Central espera. Neste caso, o impacto sobre a inflação poderá fazer o Copom repensar o ciclo de queda da taxa de juros Selic.

iG: O reajuste projetado para o salário mínimo em janeiro, de cerca de 14%, pode contribuir com uma forte aceleração dos preços no varejo dificultado a queda da inflação, ou o impacto será maior nas contas do governo e da previdência?

Goldfajn: O reajuste do salário mínimo deve ter impacto maior nas contas públicas. Estimamos um impacto fiscal de R$ 25 bilhões de gasto adicional e um superávit primário de 2,2% do PIB, abaixo da meta de 3,1% do PIB em 2012.

iG: Existem componentes que podem contribuir para uma melhora ou uma maior deterioração do cenário econômico no Brasil e no exterior no fim de 2011 e em 2012?

Goldfajn: Depende da extensão da crise. Se a crise externa for por um caminho de ruptura e de desorganização dos processos de default soberano, aí o cenário é de forte queda na atividade global e junto com isso forte queda dos preços internacionais da commodities. Se for desaceleração econômica, sem crise financeira mais acentuada, como no caso do Lehman Brothers em 2008, aí o impacto é importante, mas menor.

iG: Na sua avaliação, a crise tanto nos EUA como na Europa é um problema que passa mais por uma solução econômica, uma solução política ou as duas questões combinadas?

Goldfajn: A solução em última instância é política em ambos os casos. Historicamente o projeto da zona do euro é o projeto de uma Europa unificada sob bases democráticas, de estado de direito. O que está em discussão é a operacionalização política e econômica disso. Nos EUA, deverá existir uma decisão política de produzir um ajuste fiscal que estabilize a divida no médio prazo. As forças políticas americanas precisam chegar a um consenso mínimo que viabilize um ajuste fiscal duradouro e crível.

 

 

 

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