06/10/2011

Draghi assume um BCE que ganhou importante papel anticrise

Por David McHugh | AP, de Frankfurt

Jean-Claude Trichet, o principal guardião do euro, deixará este mês o Banco Central Europeu (BCE) em uma situação muito diferente da que encontrou quando assumiu a presidência em 2003. A instituição tem hoje um papel muito maior no combate a crises de dívida governamentais.

O banco passou de árbitro das taxas de juros a principal combatente da crise, credor governamental e até fiscalizador dos cortes orçamentários de governos. É um papel que Trichet, que hoje preside sua última conferência mensal do BCE, assumiu com relutância e sem muita escolha.

As medidas audaciosas tomadas pelo banco contra a crise da dívida até agora mantiveram a zona do euro afastada de um colapso disseminado das finanças governamentais e bancárias. Mas essas medidas emergenciais, especialmente as aquisições de bônus de governos com problemas, significam riscos de longo prazo para a credibilidade do BCE como principal instituição por trás da moeda única europeia, criada há 12 anos.

É até mesmo possível que o legado de Trichet possa ser marcado por eventos inesperados em suas últimas três semanas de um mandato de oito anos, que termina em 31 de outubro. A crise ainda está viva, com os temores de um possível calote da Grécia que sacudiria o setor bancário da Europa.

Muitos acreditam que levará anos até que fique claro se Trichet conduziu o BCE pelo caminho certo. "O livro ainda está aberto e a avaliação das políticas do BCE durante esta crise somente será possível daqui um tempo", diz Marie Diron, consultora econômica sênior da Ersnt & Young.

O BCE provavelmente teve um papel muito maior durante esta crise pela natureza e tamanho das intervenções e pelas funções políticas que teve que desempenhar nas negociações sobre reestruturações de dívidas e políticas fiscais.

Aos 68 anos, Trichet começará suas despedidas públicas hoje, após uma reunião do conselho diretor de 23 membros do banco em Berlim. Mario Draghi, atual presidente do Banco da Itália, foi escolhido como seu sucessor e assume em 1º de novembro.

Um sinal da maior representação do BCE pode ser visto na carta detalhada que Trichet e Draghi escreveram no começo de agosto ao primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi. Os dois banqueiros centrais pressionaram duramente Berlusconi para que ele se apressasse na redução do déficit fiscal da Itália e pediram mudanças específicas como cortes de salários do funcionalismo público. Trichet diz que não houve "negociação" com os governos sobre as condições da ajuda oferecida pelo BCE.

Mas a verdade é que o BCE e as compras de bônus, que reduziram as taxas de juros sobre a dívida governamental depois que elas foram iniciadas em 8 de agosto, foram, e ainda são, a única coisa entre a Itália e uma possível espiral mortal de alta dos custos dos empréstimos. Espirais parecidas baseadas no temor do mercado de bônus de um default, forçaram a Grécia, a Irlanda e Portugal a buscar socorro. Mas a Itália e a Espanha são consideradas grandes demais para quebrar. Na verdade, ao forçar políticas governamentais em troca de ajuda, o BCE assumiu um papel fiscalizador tipicamente representado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

As compras de bônus provocaram um conflito no conselho do BCE; o economista-chefe Juergen Stark está se aposentando, aparentemente por não concordar com a medida, e Axel Weber, presidente do Bundesbank, o banco central alemão, abandonou este ano uma disputa para suceder Trichet por não concordar com a decisão do conselho.

Trichet teve que formar consenso. Ele traçou um curso entre oponentes determinados ao socorro como Stark e Weber, e os economistas de fora que o conclamaram a comprar os bônus imprimindo dinheiro novo, uma fonte potencialmente ilimitada de poder de fogo financeiro, mas também potencialmente inflacionária.

Mesmo com a crise agora ameaçando a própria existência do euro, a discussão mais intensa envolve os esforços dos bancos para controlar a crise. Os riscos incluem potenciais perdas sobre os € 160 bilhões em bônus governamentais que ele comprou, dos quais cerca de € 40 bilhões em bônus da Grécia.

Analistas afirmam que o BCE tem colchão de capital para arcar com as perdas, mas o dano mais grave seria uma mancha em sua reputação de políticas bem estudadas. O economista do Commerzbank Michael Schubert diz que se o programa dos bônus acabar com perdas por causa de um default, isso terá um efeito sobre a credibilidade do BCE. "As pessoas não levarão muito a mal o que o BCE fez em relação às compras de bônus se no final os Estados se consolidarem."

"O BCE teve que interferir e se transformar em um formador de mercado para a Itália e a Espanha, caso contrário os dois países poderiam sofrer um colapso financeiro", diz Guntran Wolff, representante de Bruxelas e que já coordenou o grupo de pesquisas sobre políticas fiscais do Bundesbank da Alemanha, famoso por evitar a inflação a todo custo.

Para ele, o desafio de Draghi será mudar o equilíbrio de forças, com os governos sendo aqueles que fornecerão a ajuda e fiscalizarão o bom comportamento. "Isso deverá vir das capitais, não de de Frankfurt."

 

 

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