17/10/2011

A cartilha de Tombini

 

O presidente do Banco Central terá sua liderança colocada à prova nesta semana, quando o Copom decide se mantém a trajetória de queda de juros, a despeito da pressão de alta dos preços, que reaviva a memória inflacionária no país.

Por Carla JIMENEZ, Cristiano ZAIA e Guilherme QUEIROZ

 

 

Nos dez meses à frente do Banco Central, o gaúcho Alexandre Tombini, 47 anos, vem testando sua capacidade de resistência às críticas sobre a sua atuação como presidente da autarquia responsável pela modulação da taxa de juros no País. Burocrata, imprevisível e submisso aos interesses do Palácio do Planalto foram alguns dos adjetivos ouvidos daqueles que tentam rotular o executivo de carreira do BC, principalmente depois de ele ter reduzido, sem aviso prévio, a taxa de juros, de 12,5% para 12%, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em agosto, numa atitude que saiu do script conhecido pelos chamados mercados até então. Ironicamente, depois de uma grita inicial com a sua decisão, Tombini colheu aplausos, inclusive, entre os políticos de oposição – no ninho tucano –, pela ousadia de agir, a despeito das expectativas. “A rigor, o BC finalmente tornou-se independente do mercado”, escreveu o ex-secretário da Fazenda de São Paulo, no governo Mario Covas, Yoshiaki Nakano, num artigo para o jornal Valor, no dia 13 de setembro. 

 

Até o ex-governador José Serra, candidato derrotado à Presidência da República,  referendou a decisão, chegando a questionar, mesmo, as críticas que se seguiram à decisão do Banco Central. “Um BC só ganha credibilidade quando aumenta a taxa de juros?”, escreveu Serra em seu blog. As desconfianças sobre Tombini surgiram, principalmente, porque lhe coube suceder Henrique Meirelles, um dos fiadores da estabilidade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, este sim, acabou por se tornar mais previsível para o sistema financeiro, depois de oito anos no cargo. Ao assumir o BC, em janeiro deste ano, Tombini teve a missão de puxar o freio de mão da economia, que vinha numa inércia de crescimento acelerada e apontava riscos para a meta inflacionária, de 4,5%.  Em 2010, o País cresceu 7,5% e a inflação estava em 5,91%, próximo do teto da meta, de 6,5%. O quadro obrigou o BC a calibrar os juros para cima nas cinco reuniões consecutivas do Copom, que ocorreram entre janeiro e julho deste ano, uma a cada 40 dias.

 

A taxa básica passou, assim, de 10,75% para 12,5% no período, o que fez a economia diminuir o seu ritmo, encontrando o caminho para o chamado pouso suave, como é conhecido o movimento de reduzir moderadamente a velocidade do crescimento da atividade econômica. “Desde o início do ano nosso plano de voo, junto com outras políticas, era moderar o crescimento da economia brasileira”, disse Tombini, em recente entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. “Há sinais cada vez mais nítidos de que essa moderação veio.” Foi sob essa perspectiva que o BC reduziu os juros em meio ponto percentual, um lance ousado e inesperado aos olhos dos analistas financeiros, que estavam acostumados a acompanhar a política da autoridade monetária pelo retrovisor, ou seja, buscando os mesmos sinais que Meirelles, seu antecessor, emitia. Ninguém se lembrou, pelo jeito, do alerta que o próprio Meirelles fizera ao anunciar seu sucessor, em novembro do ano passado: “Vocês não conhecem o gaúcho. O gaúcho é dureza.” 

 

 

Discreto, calmo e cordial no dia a dia, Tombini é considerado um sujeito afeito a formalidades. É tido como profissional flexível, embora rigoroso na cobrança de resultados de sua equipe. Nascido na pequena Encantado, é torcedor do Internacional, de Porto Alegre. Apreciador de um bom assado, pode ser visto na churrascaria Fogo de Chão, que frequenta em companhia da mulher, Michele, uma americana que conheceu quando fazia doutorado na Universidade de Illinois, no início dos anos 1990,  e dos dois filhos. No trabalho, ele revelou uma face extremamente obstinada para assumir suas posições nos cargos que ocupou dentro do Banco Central, desde 1998, quando ingressou como analista concursado.  “Ele dificilmente deixa margem a dúvidas quando precisa embasar suas linhas de pensamento e esboçar seu arsenal de ideias”, afirma um ex-diretor do BC, que trabalhou por quase dez anos com Tombini. 

 

Esse ex-colega testemunhou por diversas vezes o zelo e a minúcia,  excessivos até, com que Tombini costuma se preparar para enfrentar os assuntos em pauta antes de qualquer reunião. “Para decidir pela queda de juros de meio ponto, certamente, se debruçou semanas sobre indicadores nacionais e internacionais para fundamentar, como sempre, suas decisões”, afirma. Durante as gestões anteriores do BC, o mercado se acostumou a ler os cortes de juros como o antídoto para estimular o crescimento da economia. A alta da Selic, por outro lado, era o caminho natural para o movimento inverso: reduzir a atividade ao mesmo tempo que moderava a alta de preços. Entre janeiro e setembro deste ano, porém, a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), não cedeu tanto quanto o esperado, apesar dos cinco aumentos consecutivos da taxa. Em setembro, o índice subiu 0,53%, acumulando uma alta de 7,31% em 12 meses, o que despertou o temor de que, em outubro, o IPCA venha carregado, e o governo não consiga fechar na meta. 

 

 

 

 

Tombini correria esse risco? “De jeito nenhum”, disse ele, ao lembrar que as coletas diárias de preços feitas pelo BC, neste mês, estavam vindo menores do que no anterior. Por que, então, reduzir os juros em meio ponto quando a inflação ainda não cai consistentemente?, questionam especialistas. “É possível dirigir numa estrada a 80 quilômetros por hora ou a 120, mas o risco de acidente é maior para quem trafega a 120 do que a 80”, diz o consultor Luis Eduardo Assis, ex-diretor de Política Monetária do BC, num paralelo com a queda mais drástica – e, portanto, mais arriscada – assumida pelo BC. Foi essa ousadia que incomodou os que apostavam numa redução gradual de juros – de 0,25%, por exemplo – que poderia começar a acontecer, inclusive, somente na reunião do Copom marcada para a terça e quarta-feira desta semana, ou ainda na próxima reunião do Copom, em novembro. O BC justificou o corte com base no cenário externo sombrio, que tende a diminuir, ainda mais, o ritmo da economia no País. 

 

 

 

 

A explicação não foi suficiente para parte do mercado. “O papel do Banco Central é agir com prudência e cautela, e não dar cavalo de pau na economia”, diz Carlos Eduardo Gonçalves, professor da Faculdade de Economia e Adiministração, da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “É uma mudança brusca de rumo, que põe em xeque a credibilidade do BC.” O professor Eduardo Gianetti da Fonseca, do Instituto Insper, de São Paulo, endossa a avaliação. “A ata do Copom e as declarações do presidente do BC mostram que a principal justificativa para o corte de juros é o impacto de uma possível deterioração do cenário internacional”, diz. “Isso mostra que o BC está fazendo uma aposta na crise internacional e não é sua função fazer apostas.” Mas a piora no cenário internacional de agosto para cá, com o agravamento da crise grega e a falta de perspectivas nos Estados Unidos, prova que o atual titular do BC agiu corretamente ao se antecipar, avalia o professor emérito da Universidade de Columbia, Albert Fishlow. 

 

“As críticas que estão sendo feitas são exageradas”, disse ele à DINHEIRO. “Além do mais, o governo Dilma deixou claro que está cuidando da política fiscal,  executando um controle dos gastos públicos, o que permite ao Banco Central trabalhar a queda da taxa Selic.” Se o governo aperta o cinto, o Estado colabora para controlar a inflação, uma vez que parte da alta de preços é estimulada pelo próprio gasto público. Isso ajuda o BC a agir de forma mais consistente pela redução de juros. Segundo Fishlow, a estratégia adotada no governo Dilma é um avanço em relação ao de Lula, que se apoiava mais nos juros como instrumento de controle inflacionário. Responsável pela administração da política fiscal, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, estaria, assim, trabalhando em mais consonância com o presidente do BC. Essa sintonia, mais afinada do que a existente entre Mantega e Meirelles, no governo passado,  foi mal vista por aqueles que consideram essa proximidade um risco à autonomia da autoridade monetária. 

 

 

 

 

“Não há como deixar de pensar que a política monetária mudou de rumo e agora está menos independente, e se insere em uma política mais macro do governo federal”, diz Maílson da Nóbrega, sócio da consultoria Tendências, de São Paulo. Entende-se a preocupação de Maílson, que ocupou o lugar de Mantega no período hiperinflacionário da segunda metade dos anos 1980. “O BC tem de ser o sujeito que leva o barril de chope embora quando a festa está ficando animada”, afirma. “Mas começou a renovar o barril antes de a festa mostrar sinais mais claros de arrefecimento.” Tombini estaria otimista, quando a inflação estaria resistindo. O BC estaria assim diante de uma encruzilhada. “O governo vai precisar deixar clara sua escolha: crescimento com mais tolerância à inflação ou inflação menor com crecimento moderado”, diz Luis Eduardo Assis. Tombini assegurou, em todo caso, que é possível conjugar os dois mundos. “O BC tem por princípio que o dilema inflação versus crescimento é um falso dilema”, disse o presidente do BC. “Não se cresce mais porque há mais inflação.” 

 

Na verdade, o gaúcho dureza, na expressão de Meirelles, considera que o controle da inflação já são  favas contadas e os efeitos da alta de juros do primeiro semestre se revelarão a partir deste mês. Ele não está sozinho nessa leitura. O economista Heron do Carmo, presidente do Conselho Regional de Economia, em São Paulo, também enxerga sinais de desaceleração na alta de preços, e não vê choques externos aparentes que possam pressionar a volta do dragão inflacionário, como ocorreu em 2010. Para Do Carmo, com a demanda aquecida no ano passado, os preços no setor de serviços subiram muito, assim como o de itens agrícolas, que foram pressionados pelo apetite voraz da população nos países emergentes.“Se olharmos em perspectiva, entre outubro do ano passado e abril deste ano, a inflação anualizada girava em torno de 10% ao ano”, diz Do Carmo. Os 7,31% dos últimos 12 meses, até setembro, portanto, representam um dragão um pouco mais manso.

 

 

 

 

 

O economista observa que o consumo mais moderado neste momento, tanto no mercado doméstico como no exterior, diminui a pressão de alta. “O IPCA vai derreter a partir de agora”, afirma Do Carmo, que admite preferir o estilo de Tombini ao de seu antecessor. “Tombini olha para a frente, enquanto Meirelles olhava mais para o passado.”  Se as projeções para a inflação estiverem corretas, o Copom tem as condições para manter a trajetória de queda de juros na reunião que acontece esta semana, nos dias 18 e 19. Nesse caso, o BC terá na redução das taxas uma espécie de bola de boliche que logrará acertar dois pinos na pista: o do controle da inflação e o do incentivo à retomada econômica. O Índice de Atividade Econômica, do BC (IBC-Br) de agosto, divulgado na quinta-feira 13, mostra que o estímulo pode chegar em boa hora. O indicador, que mede o desempenho do setor agrícola, industrial e de serviços, recuou 0,53% em relação ao mês de julho. 

 

A sensibilidade maior do BC para a atividade econômica ganhou rapidamente a simpatia do setor privado. “O presidente do BC está conseguindo aliar a atenção à moeda e ao crescimento”, diz Rogélio Goldfarb, vice-presidente de assuntos institucionais da Ford.  Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, vai na mesma direção. “A autoridade monetária tem agido com equilíbrio”, afirma Skaf. Seu colega de diretoria e dono da CSN, Benjamin Steinbruch, também elogia a condução da política monetária. “O BC tomou uma atitude corajosa ao baixar juros”, disse. “A verdade é que o fez sob críticas e deve continuar fazendo.” Teria o Brasil, então, um presidente do BC mais alinhado com a política desenvolvimentista? A resposta é sim, segundo o cientista político Eduardo Raposo, da PUC do Rio, autor do livro Banco Central do Brasil – O Leviatã Ibérico. Historicamente, explica Raposo, sempre que as finanças de um país estão desordenadas, a autonomia do BC cresce e ele se torna protagonista da política econômica. 

 

 

Gastos moderados: Juros em alta no primeiro semestre diminuem o ímpeto de consumo no País,

abrindo espaço para novas quedas nas taxas

 

No caso de um governo voltado ao crescimento, o BC perde o protagonismo ou a autonomia, na leitura do mercado financeiro. “É assim desde 1954, quando o Banco Central foi criado”, diz Raposo. Tombini, em todo caso, nunca escondeu a atração por derrubar a taxa de juros. Nomeado diretor de estudos especiais do BC, em 2005, ele se diferenciava, por exemplo, do então diretor de política econômica, Afonso Bevilaqua, um falcão adepto de juros altos para controlar a inflação. “Eles tiveram alguns embates sobre taxa de juros”, lembra um antigo auxiliar de Tombini no BC. Durante a gestão de Meirelles, Tombini também foi voz dissonante na definição da taxa Selic num dos momentos mais  cruciais para a economia mundial. Quando estourou a crise financeira de 2008, com a quebra do banco americano Lehman Brothers, no dia 15 de setembro daquele ano, o Copom, sob os aplausos do onisciente mercado, diga-se,  decidiu manter os juros inalterados, em 13,75%, em duas reuniões consecutivas,  em outubro e dezembro. O atual presidente, um dos sete conselheiros com direito a voto no Comitê, foi o único a opinar, na época, pela redução da Selic. O tempo acabou comprovando que faltou ousadia ao Copom, ainda excessivamente preso à ortodoxia naquele momento delicado, o que atrasou a recuperação do País. 

 

 

 

 

 

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Entrevista

 

 

“Missão do BC não muda com a crise global”

 

O britânico John Williamson, ex-economista-chefe do Banco Mundial, criador do Consenso de Washington, avalia que a redução de juros promovida pelo BC faz sentido. E mais: se houver uma nova queda nesta semana, será positivo para o crescimento do País.

 

 

 

O que o sr. está achando da atuação de Alexandre Tombini, à frente do Banco Central?

Não tenho visto nada, pelo menos até o momento, que justifique alguma crítica à atuação de Tombini. Em particular, a decisão recente de reduzir a taxa Selic faz sentido. O cenário de crescimento, tanto no Exterior como no Brasil, está se deteriorando, enquanto há fatores que indicam uma desaceleração da inflação.

 

Quais são os principais desafios do presidente do BC diante deste complexo quadro internacional?

Manter a inflação num nível aceitável e evitar a recessão. Não acho que a sua missão tenha sido alterada pela crise global.

 

Uma nova queda de juros, nesta semana, pode prejudicar o controle da inflação?

Qualquer redução de juros afeta o controle inflacionário, mas também melhora as perspectivas de crescimento. É um inevitável trade-off. Mas é importante examinar uma taxa que permita o equilíbrio correto.

 

Como o sr. vê o plano da Alemanha e França para recuperar a economia europeia?

Uma medida que seria realmente efetiva seria a criaçao de uma coalizão fiscal, mas aparentemente os dois países não querem. É duvidoso que eles possam criar ações eficientes. Eu não tenho ideia do que poderia ser. Receio que viveremos um período longo de recessão na Europa.

 

Colaboraram Claudio Gradilone e Hugo Cilo

 

 

 

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