30/08/2011

Nem BC, nem Fazenda, quem manda é a Dilma

 

Por dentro do mercado

Autor(es): Eduardo Campos

Valor Econômico - 30/08/2011

 

O esperado anúncio fiscal no ministro da Fazenda, Guido Mantega - aquele que deveria abrir espaço para a queda da taxa Selic -, decepcionou. Mas ainda assim os contratos de juros futuros continuaram em queda na BM&F.

As taxas só se afastaram das mínimas do dia após a fala do ministro, mas não abandonaram a queda e continuaram oscilando ao redor de um nível não visto em alguns anos.

A formação de preço nos juros também não se abalou pela melhora de humor externo que pautou o dia, nem pela piora nas expectativas de inflação captadas pelo boletim Focus ou mesmo pela elevação de taxa no mercado de dívida dos Estados Unidos.

Os contratos de juros de curto prazo fecharam o dia mostrando probabilidade ao redor de 70% de corte da Selic na reunião de amanhã do Comitê de Política Monetária (Copom). Mas isso é mais uma aposta do que uma convicção de que o colegiado vai, de fato, iniciar um ciclo de baixa nesta semana.

É bom que se observe que, ontem, foi anunciada uma elevação da meta de superávit para o ano, mas não há corte de gastos, apenas um remanejamento de receitas extraordinárias de cerca de R$ 15 bilhões.

Outra decepção do mercado com o anúncio fiscal foi a falta de medidas visando o Orçamento de 2012. Mas isso ainda pode mudar.

O interessante é que essa manobra foi vendida pelo ministro como algo que cria espaço para o Banco Central (BC) cortar juros. No entanto, Mantega fez questão de enfatizar que essa é uma decisão exclusiva da autoridade monetária.

Mesmo com essa postura de "eu falo do BC, mas quem manda é ele", parte dos agentes não deixa de ver esse anúncio fiscal como um recado à autoridade monetária.

O momento do anúncio, um dia antes do início da reunião do colegiado, seria a evidência mais clara disso.

Outros agentes acreditam que essa postura do governo, que parece passar por uma conversão de perdulário em austero, tem de ser vista como uma sinalização estrutural (finalmente descobriram que gastando menos, o juro pode cair, bem como o serviço da dívida).

Um novo mix de política econômica estaria sendo lapidado. No qual a política fiscal seria mais restrita para se permitir uma política monetária menos conservadora.

Não há dúvida de que isso é uma evolução. Mas o que os mais céticos questionam é se esse é o momento certo para se pensar em queda de juros. Se não seria mais interessante seguir com essa política fiscal e só pensar em juros menores quando a inflação estivesse, de fato, sobre controle e essa austeridade mostrasse resultados.

Boa parte dessa ideia de que o "momento é esse para cortar os juros" tem premissas frouxas. Uma expectativa de maior degradação externa com efeitos claramente deflacionários. Nenhum nem outro ponto se confirmou ainda.

O quadro externo segue bastante indefinido e por aqui a inflação e as expectativas teimam em não convergir para 4,5%.

Nas mesas, agentes questionam se o BC vai ceder à pressão do governo e começar a cortar os juros. Mas essa velha história de quem tem mais poder, o BC ou a Fazenda, está um pouco diferente.

Cresce a percepção de que quem manda, mesmo, é a presidente Dilma Rousseff. Um economista bem relacionado disse que uma das metas da presidente é ser lembrada como a "presidente que reduziu o juro nominal para um dígito".

No blog "Casa das Caldeiras", Ribamar Oliveira trouxe interessante nota sobre como Dilma decidiu lidar com esse excesso de arrecadação que vai virar superávit (www.valor.com.br/valor-investe/casa-das-caldeiras/991508/dificil-decisao-de-dilma).

"Parece existir uma pressão política acentuada para reduzir os juros o quanto antes. Em breve, não precisarei fazer nenhuma projeção de inflação ou elaborar alguma análise completa de atividade econômica, pois o componente político pode ficar predominante", diz um economista.

Deixando anseios e a questão política de lado, enquanto o juro nominal não cai, o juro real, aquele que desconta a inflação e que realmente importa na tomada de decisão entre poupança e consumo, continua em firme trajetória de baixa.

O juro de mercado medido como "Swap 360" cai e as expectativas de inflação em 12 meses seguem em alta (5,47% pelo último Focus). O resultado é um juro real de 5,58%, o menor desde dezembro de 2009.

Olhando a evolução do juro real desde a reunião dos dias 19 e 20 de julho do Copom, a taxa caiu 1,24 ponto percentual, saindo de 6,82% para os atuais 5,58%. Vale lembrar que no começo de junho, esse mesmo juro real estava em 7,12%, o maior desde dezembro de 2008.

Eduardo Campos é repórter

 

 

 

 

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