04/08/2011

Ventos do Norte varrem a bolsa

Luciana Monteiro, Daniele Camba e Beatriz Cutait | De São Paulo

04/08/2011

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O medo de que a economia americana entre em recessão se consolidou nos últimos dias e vem provocando uma verdadeira derrocada da bolsa brasileira. A aprovação do pacote que eleva o teto da dívida soberana dos Estados Unidos mostrou-se apenas um pequeno alívio de curto prazo e os mercados financeiros ao redor do mundo sofreram. Para ajudar, o temor de que Espanha e Itália não possam receber ajuda do bloco europeu para lidar com seus problemas de endividamento levou a uma nova disparada dos juros pagos por esses países.

O aumento expressivo da aversão ao risco fez com que o Índice Bovespa encerrasse ontem com queda de 2,26%, aos 56.017 pontos - menor nível desde os 55.707 pontos de 3 setembro de 2009. Dos 66 papéis que compõem o indicador, apenas sete fecharam em alta. Só nesta semana, o referencial cai 4,77%. No ano, o Ibovespa já acumula perda de 19,17%. Em relação à pontuação máxima do índice neste ano - de 71.631, registrada em 12 de janeiro -, a queda é de 21,80%, ou 15.615 pontos.

 

O movimento atual da bolsa é de verdadeiro pânico e a recomendação para o investidor é não entrar nessa onda vendedora, diz Alexandre Espírito Santo, professor de finanças da ESPM-RJ e do Ibmec-RJ. "Agora é a hora de botar a faca entre os dentes e segurar as pontas, pois só ganha dinheiro em bolsa quem compra com o mercado barato e vende quando ele está caro."

Não há, entretanto, nenhum sinal de reversão desse movimento de baixa, ressalta Fernando Fix, economista-chefe da Votorantim Wealth Management & Services. "A bolsa está barata, mas ainda pode ficar mais", destaca. "Vemos um ambiente de fuga do investidor estrangeiro da bolsa brasileira, sem nenhuma indicação de reversão do movimento". Na visão dele, os gestores devem continuar cautelosos, mas para quem tem apetite e visão mais de longo prazo, começam a aparecer oportunidades. Ações de setores ligados a commodities e a bancos estão com preços atrativos, avalia.

A irracionalidade vista é tão grande que o Índice Bovespa no ano acumula perda maior, inclusive, que a desvalorização dos principais indicadores do mercado acionário da Espanha, Itália e Portugal, três países altamente endividados. O Ibex 35 espanhol, por exemplo, cai 8,33% em 2011, enquanto o italiano FTSE MIB perde 16,93%. Já o português General Index tem queda de 7,64%, até ontem.

O Brasil está pagando o preço do sucesso, resume Espírito Santo, da ESPM-RJ. "O país fez o seu dever de casa, atraiu investimentos de estrangeiros e, quando há resgates, é preciso vender os papéis a qualquer preço para honrar os saques", afirma o professor. Ontem, por exemplo, ficou perceptível o movimento de "stop loss" (limitação de perdas) comandado sobretudo por robôs - uma espécie de programa automático que busca detectar o momento certo para comprar ou vender um ativo. Isso acaba acentuando ainda mais o viés negativo dos mercados.

No primeiro semestre, os investidores estrangeiros saíram dos mercados emergentes e foram em direção aos desenvolvidos. A intenção era fugir do movimento de alta de inflação e de aperto monetário nos países ainda em desenvolvimento. "Isso fez as bolsas de emergentes, especialmente a Bovespa, por causa da sua liquidez, sofrerem bem mais que os mercados americano e europeu", explica Marcos De Callis, gestor da Schroders Brasil.

Já nos últimos dias, "com a ficha caindo" de que a situação econômica mundial é bastante complicada, puxada principalmente por Europa e EUA, houve uma aversão a risco generalizada. "O investidor vai sair de ações no mundo inteiro, em busca de ativos mais seguros como os títulos soberanos", afirma De Callis.

Ele acredita que, como algumas bolsas emergentes já caíram bastante na primeira metade do ano, podem sofrer um pouco menos que as desenvolvidas a partir de agora. "As acentuadas desvalorizações de algumas bolsas europeias e dos índices americanos nos últimos dias ilustram esse movimento", diz De Callis. Independentemente de cair mais ou menos, ele diz que não existem motivos para acreditar que as ações de qualquer mercado terão condições de voltar a subir no curto prazo.

A percepção do mercado é de que este momento é de definição de tendência para as bolsas americanas. O S&P 500, que chegou a acumular ganho de 8,43% no ano em abril, agora sobe apenas 0,21%. Os estímulos que tanto ajudaram as bolsas no primeiro semestre não existem mais, o que traz reflexos no mundo todo.

A aprovação do aumento do teto da dívida pública americana aumentou as chances de uma nova recessão, ou no mínimo, de uma desaceleração mais profunda nos Estados Unidos, avalia Carlos Nunes, estrategista de renda variável do HSBC. "Em troca do aumento do teto, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, terá de fazer um severo corte de gastos; isso significa, portanto, que não há espaço para estimular a economia, muito pelo contrário", explica Nunes.

Para Fix, da Votorantim Wealth Management, após a aprovação do plano de aumento do teto do endividamento americano, o cenário lembrou, ainda que em escala muito menor, o desenhado depois da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers. O economista ressalta que, logo após aquele momento, os mercados começaram a despencar e, no quadro atual, a confiança do investidor também pode estar abalada. E os indicadores econômicos não têm ajudado, diante da frustração do mercado com os números de emprego e atividade dos Estados Unidos.

Na sexta-feira, serão divulgados os números relativos ao "payroll" - criação de vagas - de julho e à taxa de desemprego. Para evitar que o desemprego aumente, os analistas calculam que a economia americana precisa adicionar cerca de 110 mil vagas por mês. E, para que essa taxa caia significativamente, é preciso criar entre 200 mil e 300 mil empregos por mês. Se o "payroll" se mostrar declinante, isso poderá consolidar a percepção de que uma nova recessão está prestes a dobrar a esquina, ou já chegou.

Mas se o cenário é tão nebuloso nos Estados Unidos, por que o S&P 500 encerrou ontem em alta de 0,50%? A percepção é de que os investidores especulam que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) começará um novo programa de estímulo - apesar do corte de US$ 2,1 trilhões previsto para os próximos dez anos no acordo para elevar o teto do endividamento.

 

 

 

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