05/09/2011

Crise leva americanos a poupar e cortar gasto

Denise Chrispim Marin - O Estado de S.Paulo

CORRESPONDENTE/ WASHINGTON

 

Denise Crispim Marim/AE

Única extravagância. Erin Monaghen, com o filhos Quinn e Shane, em visita a Washington

Em momentos de crise econômica, melhor poupar do que gastar. A máxima tem orientado as decisões de boa parte dos americanos, mesmo dos 139,3 milhões hoje na confortável situação de trabalhadores empregados. Mas, fortalecido pela insegurança, esse princípio tornou-se a pior trava para o deslanche do crescimento da atividade do país.

Romper com essa lógica já era um desafio para o governo dos EUA desde 2009. Com o novo compromisso de cortes de pelo menos US$ 1 trilhão em gastos públicos federais, a reversão da queda do desemprego tornou-se a meta essencial para evitar uma nova recessão.

Erin Monaghen adota a regra a ferro e fogo. Diretora de uma organização não-governamental em Vinton, Estado de Iowa, divorciada e mãe dos adolescentes Quinn e Shane, Erin cortou as visitas semanais à cidade vizinha de Cedar Rapids, dispensou os alimentos congelados e trocou os planos de telefonia celular, internet e TV a cabo por outros mais baratos. O ar-condicionado foi desligado neste verão. A economia com esses pequenos cortes foi para a poupança e cobriu o aumento do custo de vida.

"Não é hora de gastança", afirmou, sentada do muro da Casa Branca, durante a única extravagância da família nos últimos três anos: a primeira visita à capital dos Estados Unidos.

De acordo com dados do Departamento do Comércio dos Estados Unidos de 2011, o consumo pessoal voltou a cair em junho, em 0,2%, depois de cinco meses de crescimento nunca maior do que 0,4%. Em junho, movimentou US$ 10,6 trilhões, conforme cálculos ajustados sazonalmente. Os dados frustraram apesar da ampla oferta de crédito a baixo custo. Ninguém quer se endividar.

Estudo anual sobre a economia dos EUA feito pela Moody''s, uma das principais agências de avaliação de risco de crédito, apontou o fato de, antes da crise de 2008, os EUA terem vivido duas décadas de baixa taxa de poupança pessoal. Em 2005, chegou ao seu menor nível, de 1,4%. Mas, no ano passado, chegou a 5,8%. "Como o consumo representa a maior parte do PIB, qualquer pequeno aumento na taxa de poupança pode contrair o crescimento", informou o estudo da Moody''s. Na economia americana, o consumo doméstico representa 70% do Produto Interno Bruto (PIB). Aumentá-lo vem sendo objetivo da Casa Branca desde o início de 2009, quando pacotes trilhonários de estímulo à atividade foram anunciados, assim como os programas de injeção de dinheiro no mercado pelo Federal Reserve, o banco central americano. Mas, os resultados têm sido desapontadores, em especial devido à insegurança do consumidor.

O PIB cresceu apenas 0,4% no primeiro trimestre deste ano e 1,3%, de abril a junho - resultados bem menores do que os esperados. Dados do Departamento de Comércio dos EUA mostram queda de 0,8% nos pedidos para as indústrias em junho. Na sexta-feira, o Departamento do Trabalho anunciou a criação de 154 mil empregos em julho. Mas a taxa de desemprego continua alta, em 9,1%.

Para William Criger, publicitário aposentado e hoje voluntário do museu Newseum, os americanos estavam mergulhados na lógica do consumo desvairado, munidos de inúmeros cartões de crédito e confiantes na solidez da economia e do setor financeiro do país. Criger viu amigos se comprometerem com hipotecas que não poderiam pagar e consumidores sem desistir de uma compra depois de ter um de seus cartões rejeitado.

Agora, afirmou ele, os americanos estão reaprendendo a viver de seus próprios recursos. Conforme afirmou, essa sempre foi a sua regra, o que não o impediu de perder parte de seu patrimônio durante a crise dos anos 70. "Venho de uma região rural pobre do país e, talvez por isso, eu tenha tanto respeito pelas minhas economias", afirmou.

Apesar da crise, nem todos os americanos seguem a mesma regra de privilegiar a poupança em tempos de vacas magras, para sorte da economia americana. Sentadas na Praça da Marinha para o almoço, Tonya e Deborah (não quiseram dizer seus sobrenomes) colocam as finanças de suas famílias "nas mãos de Deus". As duas trabalham na área de Recursos Humanos e são fervorosas a ponto de manterem o mesmo padrão de vida desde a crise de 2008, sem cortes nem mesmo de gastos supérfluos.

"Ninguém em casa deixou de gastar. Não posso parar a minha vida por medo de decisões tomadas por homens", afirmou Deborah. "Tenho uma relação pessoal com Deus. Por isso, não tenho medo nenhum de perder meu emprego."


Corte no consumo

ERIN MONAGHEN
DIRETORA DE ONG

"Não é hora de gastança."

WILLIAM CRIGER
PUBLICITÁRIO APOSENTADO

"Venho de região pobre do país e, talvez por isso, tenho respeito pelas minhas economias"

 

 

 

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