30/09/2011

Montadoras disputam executivos experientes

Por Dauro Veras | Para o Valor, de São Paulo

Depois de atuar por dez anos na empresa sueca Volvo, o diretor de pós-venda Vitor Franchini aceitou proposta para ganhar 60% a mais na chinesa Chery

Mesmo com o recente aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) anunciado pelo governo para o setor automotivo, a movimentação de executivos na área que já está em curso deverá se intensificar em 2012. A expectativa é que o número de fábricas de automóveis no país salte de 26 para 35 até 2014. Por essa razão, profissionais com experiência em cargos de comando nesse segmento ou em áreas correlatas já estão sendo sondados pelos headhunters. Os mais demandados são os que ocuparão o topo da pirâmide e os de marketing e vendas.

O presidente da montadora de origem japonesa Suzuki Veículos, Luiz Rosenfeld, informou que o aumento do IPI não afetará o plano de construção da fábrica no município de Itumbiara, em Goiás. O empreendimento tem inauguração programada para o segundo semestre de 2012. Com ele, a empresa passará a produzir os veículos no Brasil, o que deve diminuir o impacto frente às medidas anunciadas. "A construção da fábrica representa um marco decisivo na consolidação e expansão da marca no Brasil", diz Rosenfeld. "A Suzuki pretende crescer de forma sustentável, com solidez e segurança."

Em julho, a montadora chinesa Chery International lançou a pedra fundamental de uma fábrica em Jacareí (SP). Com investimento de US$ 400 milhões e inauguração prevista para setembro de 2013, deve gerar 1.200 empregos diretos na primeira fase e até 4 mil em cinco anos. A empresa informou que a manterá o preço de seus veículos sem o reajuste do IPI até o fim do estoque. No dia 20 de setembro, a Venko Motors, responsável pela distribuição dos veículos da marca, obteve na Justiça Federal em Vitória uma liminar que adia por 90 dias a cobrança do aumento de 30 pontos percentuais sobre o imposto. Em nota, a companhia diz que a medida foi adotada "como alternativa momentânea para a sobrevivência das 90 concessionárias Chery que empregam mais de 3 mil colaboradores."

Com duas décadas de experiência no setor, o administrador e pós-graduado em economia Vitor Franchini, 45, é um dos beneficiados pela chegada das novas montadoras. Em maio, trocou a direção de pós-vendas na Volvo Automóveis, onde trabalhava havia dez anos, pelo mesmo cargo na Chery. Embora o salário 60% maior tenha influenciado bastante na mudança, ele diz que o fator decisivo foi o desafio: "Na proposta ficou claro que eu teria boas chances de contato com o mercado chinês, que vai crescer muito no Brasil". Em novembro, Franchini vai participar de um grande evento de pós-venda em Xangai, com a presença de executivos de todos os países onde a empresa atua. A Chery quer chegar a 150 concessionárias em 2012. Para isso, vai ser necessário contratar mais executivos. "Buscamos profissionais com capacidade empreendedora, boa comunicação, criatividade e disposição para trabalhar sob pressão", acrescenta.

Entre R$ 3,5 bilhões e R$ 4 bilhões serão investidos pela Fiat na nova fábrica em Goiana, a 65 km de Recife. A montadora italiana informa que vai priorizar contratações locais, sempre que possível. Existem oportunidades em diversas profissões como engenharia, design, administração, ciências contábeis, economia, ciência da computação, comunicação social, direito, relações públicas, relações internacionais e psicologia. Além do repertório técnico para o exercício da função e do perfil adequado aos valores corporativos, a empresa considera como atributo indispensável a excelência na capacidade de liderar pessoas.

Outras fabricantes de veículos que anunciaram projetos no país são a sul-coreana Hyundai, a chinesa JAC, as japonesas Toyota e Nissan e a uruguaia Effa, que terá duas parcerias com a chinesa Lifan. Com a instalação dessas fábricas, os investimentos estrangeiros do setor automobilístico brasileiro devem superar US$ 5 bilhões. Hoje, o Brasil ocupa a quinta posição entre os fabricantes de automóveis, atrás da China, Estados Unidos, Japão e Alemanha. O mercado nacional, porém, está em expansão. No primeiro semestre, as vendas foram 9,5% superiores ao mesmo período de 2010. Executivos que conhecem o ramo e focam em resultados são elementos-chave na estratégia dessas companhias.

"Quando era diretor de uma agência de propaganda, fui procurado por uma empresa de hunting que monitorava meu currículo desde a época em que trabalhei na Fiat", conta o publicitário Carlos Murilo Moreno. Ele foi negociar a proposta com três condições: queria trabalhar no varejo, que a empresa atuasse no país inteiro e que o desafio fosse grande. Depois de sete entrevistas, foi contratado como diretor de marketing da Nissan, com a missão de tornar a marca conhecida no Brasil. A estratégia foi, a princípio, comparar-se aos competidores mais lembrados em diferentes categorias. "Em certa altura, passamos a falar mais de nós mesmos. Foi aí que surgiram os 'pôneis malditos', que superaram as expectativas."

A ousada campanha publicitária já foi vista mais de 13 milhões de vezes na internet. Em agosto, houve recorde de vendas do veículo: 1.488 unidades, 110% a mais que no mesmo período em 2010. Em toda a linha, as vendas aumentaram 81% e a lembrança da marca triplicou. A participação no mercado, que era de 1% em 2010, chegou a 1,8% em agosto e a meta é atingir 5% em 2014. "Estamos finalizando o processo de escolha do local da nova fábrica no Brasil, com capacidade para 200 mil carros/ano. Devemos contratar em todas as áreas", diz. Nos últimos meses, foram preenchidas vagas em logística, vendas, engenharia e departamentos jurídico e financeiro.

O engenheiro mecânico e consultor Ricardo Cipullo, 52 anos, estuda proposta que recebeu de uma montadora com planos de se instalar no país. Seu currículo o credencia. Com 30 anos de carreira na indústria automobilística, foi executivo da Ford do Brasil, diretor-superintendente da divisão de componentes automotivos do Grupo Iochpe-Maxion e presidiu por 11 anos a Brose do Brasil em Curitiba. Ele acredita que esse é apenas o início do processo de contratações locais de alto nível. "Em um primeiro momento, a multinacional traz muita coisa pronta do país de origem. Só depois é que o executivo brasileiro passa a ter importância maior", diz. A consolidação do empreendimento leva de cinco a sete anos, mais ou menos o ciclo de um produto.

Os salários são altos. Não é incomum um executivo brasileiro da indústria automobilística receber R$ 1 milhão por ano. "Provavelmente, é uma remuneração maior que a do chefe dele no exterior. Isso gera situações curiosas como a de profissionais que são promovidos para a matriz, mas não ganham aumento", relata Cipullo. Para ele, a maior carência é na área de engenharia, cujo salário inicial mais que dobrou nos últimos três anos. Com cinco anos de experiência, ganha-se em torno dos R$ 9 mil.

A carência de executivos experientes também é observada por Stephan Keese, sócio da empresa de consultoria Roland Berger. "Indústrias asiáticas, em especial, têm dificuldades em recrutar", diz. "Conheço montadoras que ainda não conseguiram encontrar profissionais para setores como gerência de desenvolvimento das concessionárias e de pós-vendas". Conforme o local onde a montadora vai se instalar, o número de vagas para alta gerência é mais restrito, pondera o headhunter Márcio Bamberg. Com a experiência de quem liderou o processo seletivo da Chrysler no Paraná nos anos 1990, ele ressalta que o centro de decisões costuma ficar em São Paulo. Bamberg destaca a importância de investir nas redes de contatos, onde surge a maior parte das oportunidades, e adverte: "Esse perfil de profissional faz opção pela carreira, não pela família."

Toda negociação para o alto escalão tem a confidencialidade como característica. "Enviar o currículo direto à montadora expõe o profissional, o que diminui o seu poder de negociação", observa Luiz Alberto Panelli, sócio da consultoria Amrop Panelli Motta Cabrera. Ele orienta os candidatos a fazer uso discreto de sua rede de contatos ou do serviço de empresas de consultoria.

"Fizemos um trabalho para uma montadora buscando gerentes regionais de vendas", revela o sócio-diretor da Heidrick & Struggles Brasil, Dárcio Crespi. "Duas novas montadoras já nos procuraram", conta Jacques Sarfatti, sócio da consultoria Russell Reynolds. "Em geral, elas querem entender melhor o mercado e se aculturar ao Brasil". Sarfatti confirma que os salários dos executivos estão se elevando. "Desde o ano passado, é um incremento contínuo que já chega a 20%."

"O setor automobilístico é uma das áreas em que a competição tem sido mais acirrada", avalia André Kaufmann, presidente do Renaissance Executive Forum no Brasil, uma espécie de conselho consultivo com 70 integrantes - todos presidentes, CEOs ou donos de empresas. A formação de executivos tem sido tema recorrente nos debates. "De certa forma, os automóveis estão se 'comoditizando' ", afirma. "Isso faz com que os dirigentes sejam muito disputados e também pressionados em termo de resultados de curto prazo."

 

 

 

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