02/09/2011

'É preciso torcer para que o cenário negro ocorra'

Por Fernando Travaglini | De São Paulo

A decisão do Banco Central (BC) de cortar em 50 pontos básicos os juros foi errada e grave, segundo Luiz Carlos Mendonça de Barros, diretor-estrategista da Quest Investimentos, porque mexe com as expectativas de inflação e também com a credibilidade do BC. "A partir de agora tem que torcer para que o cenário negro deles ocorra, porque pelo menos resgata um pouco a credibilidade do BC."

Para ele, a decisão não está articulada com as outras medidas do governo, pois o orçamento de 2012 é expansionista. Mendonça de Barros diz ainda que o fato de o comunicado ser tão longo mostra insegurança na decisão. "Nunca vi um BC apostando tão claramente em um cenário hipotético e sobre o qual não há consenso." A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Qual a sua avaliação da decisão do Copom?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Foi uma surpresa. Foi uma decisão errada. Porque deveria estar mais articulada com outras medidas [do governo]. Já havia um tipo de boato de que estava sendo articulado um pacote fiscal para permitir ao BC baixar mais juro. O que surpreendeu é que o juro veio antes de tudo. E eles não coordenaram as ações. O governo mandou na quarta-feira uma proposta orçamentária para o Congresso que é expansiva ao extremo. Evidente que depois eles disseram que é só um orçamento. Mas essas coisas têm que ter um mínimo de seriedade. Não pode o BC fazer menção à uma política fiscal diferente para permitir a redução dos juros e ter um orçamento com 16% de expansão nominal dos gastos para o próximo ano.

Valor: Qual a repercussão da decisão do BC?

Mendonça de Barros: A reação foi muito ruim, porque colocou em xeque a independência operacional do Banco Central. Eles tomaram uma decisão forte. Primeiro, fugiram do padrão de comportamento. Nunca vi aumentar 25 pontos em uma reunião e baixar 50 na outra. Segundo, também não é comum uma justificativa tão grande. O padrão é deixar as explicações para a ata. Certamente havia uma insegurança em relação à decisão. Em terceiro lugar, todos os pontos que eles alinharam [no comunicado], principalmente da crise externa, ainda não estão colocados nos termos que eles descreveram. Ao contrário, a economia americana tem dado sinais de que no terceiro trimestre crescerá mais rápido do que se esperava.

Valor: Mas não há risco de recessão global?

Mendonça de Barros: O risco de uma recessão mais para frente é muito grande, mas o BC não pode tomar uma decisão no pressuposto de [que haverá]. De certa forma, ele especulou com o futuro e o BC não pode especular. Não existe nenhum elemento de certeza no cenário que ele está colocando.

Valor: Já há sinais de desaceleração no Brasil?

Mendonça de Barros: Eu não acredito em desaceleração. Olha os dissídios que estão ocorrendo. Você tem o desemprego no [patamar] mínimo, a renda do trabalho voltou a crescer entre 4% e 5% ao ano, os bancos ainda estão expandindo o crédito. Menos, mas estão expandindo. O que há é uma desaceleração na indústria, porque a produção local está sendo substituída por importação. Mas é oferta, não é demanda.

Valor: Então o BC errou?

Mendonça de Barros: Acho que foi uma decisão errada. Grave, porque mexe com expectativa. Mexe com credibilidade. A partir de agora tem que torcer para que o cenário negro deles ocorra, porque pelo menos resgata um pouco a credibilidade do Banco Central.

Valor: A meta de inflação será cumprida?

Mendonça de Barros: Essa já foi esquecida há muito tempo. Agora, o que foi atropelado foi o procedimento do BC, como essa [decisão] de passar de uma alta para uma baixa. Também nunca vi um BC apostando tão claramente em um cenário hipotético e sobre o qual não há consenso. E que, se não se confirmar, pode ter causas aqui sobre a inflação, que pode se acelerar para níveis bastante sérios.

Valor: Pode ir para dois dígitos?

Mendonça de Barros: Não, mas se a inflação for, no próximo ano, de 6% ou 6,5%, é muito ruim.

 

 

 

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